Décio Policastro

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ERRO DE DIAGNÓSTICO TRECHO SELECIONADO DO LIVRO , 4ª EDIÇÃO

  1. ERRO DE DIAGNÓSTICO
    Feitos o diagnóstico e o prognóstico, o médico traça a terapêutica possível para debelar ou aliviar o mal causado pela moléstia. É fácil compreender que uma deficiente anamnese (sintomas presentes, lembrança dos primeiros sinais da doença, histórico do paciente e enfermidades anteriores, exame físico e clínico, reação a medicamentos) e um diagnóstico mal feito, não raro ocasionado por avaliações ou consultas apressadas, contribuem sobremodo para o avanço da doença, podendo trazer consequências irreversíveis e levar à morte. É preciso saber escutar as queixas do paciente e conceder-lhe tempo suficiente para dar suas explicações .

No passado o médico não dispunha de meios para diagnosticar eficientemente. Atualmente, o estágio que a tecnociência aplicada à saúde atingiu facilita o encontro de caminhos seguros para diagnósticos precisos, possibilitando, inclusive, a detecção de patologias em estado inicial e alterações orgânicas associadas a doenças sequer manifestadas (radiologia, ultra-sonografia, tomografia, ressonância magnética, cintilografia, PET – tomografia para exame do comportamento das células, etc.).
Bioengenharia, biomedicina, biotecnologia, ciência da computação unem-se para o aperfeiçoamento e criação de aparelhagens sofisticadas, destinadas a auxiliar os médicos na diagnose e em soluções cirúrgicas cada vez menos invasivas (engenharia clínica, engenharia médica, cirurgia robotizada). Contudo, sob uma perspectiva distinta dos avanços tecnológicos, é patente a necessidade de socialização das novas contribuições técnicas para que pessoas de todos os níveis sociais possam acessá-las e usufruir dos benefícios. Sem embargo da contínua evolução da tecnologia, bons diagnósticos e tratamentos bem sucedidos sempre dependerão das informações dadas pelo paciente, observações e capacidade de raciocínio clínico do profissional. Não se podem ter como verdades, intuições, palpites ou suposições.
O profissional zeloso, consciente da obrigação de utilizar os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento ao seu alcance e que antes de diagnosticar recorre, sem exageros e sem deificar a tecnologia, aos recursos científicos existentes (CEM, art. 32 e art. 35) mesmo quando a hipótese diagnóstica parecer compatível com o quadro sintomático, seguramente ficará isento da acusação de ter agido com negligência. Entretanto, para não comprometer a relação médico-paciente, terá presente que a sua atividade firmar-se-á, a todo o tempo, em princípios humanísticos e não só na modernidade técnica (CEM, Princípios Fundamentais, I e II).
No geral, os erros inevitáveis de diagnóstico são insuficientes para responsabilizar: excluem a culpa porquanto não identificam ato negligente. Nem sempre as circunstâncias e o estado do paciente favorecem concluir um diagnóstico precoce, exato e preciso . Ademais, no momento presente, a medicina ainda não tem resposta à todas sintomatologias. Os erros evitáveis derivados de diagnósticos afoitos, descuidados, sem o respaldo de exames laboratoriais ou por imagens, incondizentes com princípios patogênicos elementares, estes sim, são entendidos como produtos da negligência e . O médico, como qualquer ser humano, não tem o privilégio da infalibilidade. Pode falhar no diagnóstico . É difícil entender que um profissional de saúde dê início ao tratamento do doente sem realizar o diagnóstico nosológico (nosologia: estudo das moléstias) e sem reconhecer algum sinal ou sintoma da doença. O que são condenadas são as atitudes precipitadas capazes de conduzir a diagnósticos malfeitos e grosseiramente errados, situações de manifesta culpa profissional viabilizadoras de medidas civis e administrativas considerando que pode ser perdida a chance de eliminar algo que permitiria a oportunidade de cura e .
Como exemplos, foram coletadas as seguintes decisões judiciais mais relevantes: (a) não concedendo indenização: diagnóstico de uma simples enxaqueca ao invés de hemorragia cerebral em que o paciente, embora vindo a morrer, não apresentava os sintomas e em que o atendimento prestado fora perfeitamente adequado à situação. O diagnóstico foi considerado compatível com o quadro sintomático ; (b) concedendo indenização: broncopneumonia não-diagnosticada por não se tratar de moléstia incomum ; negligência médico-hospitalar, considerando que a paciente foi atendida, em ambulatório, com fortes dores abdominais e submetida à medicação, retornara por quatro vezes até ser internada. Constatado nos exames tratar-se de apendicite aguda, a cirurgia foi realizada somente no dia seguinte, vindo a paciente a falecer dias depois. A negligência ficou caracterizada porque os sintomas indicavam necessidade de internação imediata, com exames aptos ao diagnóstico .
O Tribunal Pleno do Conselho Federal de Medicina tem decisão no sentido de que comete falta ética o médico que indica procedimento cirúrgico sem esgotar investigação de diagnóstico disponível (Proc. n. 31/1985 – Rel. Cons. Cláudio Balduino Souto Franzen – DOU 16.4.1991, Seção I, p. 7.014).

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“A carboxiterapia não deve ser divulgada como tratamento estético, visto a inexistência de fundamentação científica para utilização e eficácia nesta área.” (Parecer n. 13/11 – CRM/BA)
O CFM defende não existir diferenças entre o ato médico da cirurgia plástica reconstrutiva, reparadora e o da cirurgia estética embelezadora. Entende que, tratando de especialidade única e indivisível que deve ser exercida por médicos devidamente qualificados, a cirurgia plástica, como toda a prática médica, constitui obrigação de meio e não de fim ou resultado – Resolução CFM n. 1.621/2001, art. 1º e art. 4º.
CFM Resolução n. 1.711/2003. “Estabelece parâmetros de segurança que devem ser observados nas cirurgias de lipoaspiração, visando garantir ao paciente o direito de decisão pós-informada e aos médicos, os limites e critérios de execução.”
“Responsabilidade civil. Indenização. Danos morais e estéticos. Erro médico. Cirurgia reparadora. Obrigação de meio. Culpa. Ônus da prova. As cirurgias reparadoras ao contrário das estéticas são obrigações de meio, e não de resultado. Sendo a cirurgia reparadora, e tratando-se, portanto, de obrigação de meio, para a responsabilização do médico por dano causado à paciente faz-se necessário que resulte devidamente comprovado que o evento danoso se deu em razão de negligência, imprudência ou imperícia.” (TJMG – Ap. n. 489.717-8 – 13ª Câm. – Rel. Desa. Hilda Teixeira da Costa – j: 18.8.2005, v.u. – DOMG 3.3.2006 – RT 849/348)
“Bastante polêmica é a definição da natureza jurídica da cirurgia estética ou corretiva, quando o paciente busca apenas melhorar sua aparência, ao contrário da cirurgia dita reparadora, onde se pretende a correção de lesões deformantes ou defeitos congênitos ou adquiridos.” (CHAVES, ANTONIO. Responsabilidade civil das clínicas, hospitais e médicos. Revista Jurídica 159, p. 118)

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“Importa, nessa especialidade, distinguir a cirurgia corretiva da estética. A primeira tem por finalidade corrigir deformidade física congênita ou traumática. O paciente, como sói acontecer, tem o rosto cortado, às vezes deformado, por acidente automobilístico; casos existem de pessoas que nascem com deformidade da face e outras com defeitos físicos, sendo, então, recomendável a cirurgia plástica corretiva. O médico, nesses casos, por mais competente que seja, nem sempre pode garantir nem pretender, eliminar completamente o defeito. Sua obrigação, por conseguinte, continua sendo de meio. Tudo fará para melhorar a aparência física do paciente, minorar-lhe o defeito, sendo às vezes, necessárias várias cirurgias sucessivas. O mesmo já não ocorre com a cirurgia estética. O objetivo do paciente é melhorar a aparência, corrigir alguma imperfeição física – afinar o nariz, eliminar as rugas do rosto etc. Nesses casos, não há dúvida, o médico assume obrigação de resultado, pois se compromete a proporcionar ao paciente o resultado pretendido. Se esse resultado não é possível, deve desde logo alertá-lo e se negar a realizar a cirurgia.” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2007, p. 369)

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“Civil. Cirurgia estética. Obrigação de resultado. Indenização. Dano material e dano moral. Contratada a realização de cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado, sendo obrigado a indenizar pelo não cumprimento da mesma obrigação, tanto pelo dano material quanto pelo moral, decorrente de deformidade estética, salvo prova de força maior ou caso fortuito.” (Superior Tribunal de Justiça – REsp 10.536 – 3ª Turma – Rel. Min. Dias Trindade – j: 21.6.1991, v.u. – DJ 19.8.1991, p. 10.993)
“Apelação Cível. Responsabilidade civil. Cirurgia estética, obrigação de resultado. Responsabilidade subjetiva do profissional. Culpa presumida. Dever de indenizar não reconhecido. A obrigação assumida pelo cirurgião plástico na cirurgia plástica embelezadora é de resultado e sua responsabilidade é subjetiva, com culpa presumida, sendo do profissional o ônus de comprovar que não agiu com culpa em qualquer das modalidades: negligência, imprudência ou imperícia. Aplicação do art.14, § 4º, do CDC. Hipótese em que restou assente no laudo pericial a correção dos procedimentos adotados pelo réu, ao efetuar a cirurgia de redução de mamas na autora, tendo o laudo pericial concluído pela impossibilidade de se estabelecer o nexo causal entre a prestação do serviço médico e os danos alegados na exordial. Cicatriz decorrente de deiscência da sutura que não pode ser imputada a qualquer ato do profissional suplicado. Juízo de improcedência mantido.” (TJRS – Ap. Cível 70039361571 – Décima Câmara Cível, Rel. Des. Paulo Roberto Lessa Franz, vu , J: 31.3.2011)
“Apelações cíveis. Responsabilidade civil. Indenização. Cerceamento de defesa. Afastamento. Erro médico. Cirurgia plástica. Implante de prótese mamária de silicone. Aplicação do diploma consumerista. Obrigação de resultado não atendida. Conjunto probatório que evidencia a ocorrência de dano estético decorrente de imperícia técnica quando da realização do procedimento cirúrgico. Dever de indenizar. Manutenção do quantum debeatur. Precedentes jurisprudenciais. À unanimidade, afastada a preliminar, negaram provimento aos apelos.” (TJRS – Ap. cív. n. 70037080926 – 6ª Câm. Cível – Rel. Des. Luís Augusto Coelho Braga – j: 24.11.2011, v.u.).
“Civil. Ação de reparação de danos. Bioplastia. Procedimento estético. Obrigação de resultado. Responsabilidade objetiva da clínica. Infecção do nariz. Não obtenção do resultado. Danos materiais e morais configurados. Sentença reformada. 1. A obrigação assumida pelo profissional médico, que se propõe à realização de determinada cirurgia estética, constitui obrigação de resultado, de forma que o não-atingimento das metas propostas e acertadas com o particular contratante constitui inadimplemento absoluto do acordo, apto a ensejar a rescisão do contrato de prestação de serviços médicos e também para justificar a condenação pela reparação dos danos eventualmente experimentados pelo paciente. 2. Constatado que a cirurgia plástica estética contratada pela Autora não apenas deixou atingir o resultado esperado, como também constituiu causa de imperfeições que não pré-existiam à intervenção médica, resta configurada a obrigação de reparar. 3. Não detectadas informações prévias à paciente acerca da bioplastia, procedimento com riscos ainda não determinados pela comunidade médica – sendo desaconselhado o uso do PMMA (polimetilmetacrilato) pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica – igualmente configurada a responsabilidade civil da Ré. (…)” (TJDFT – Ap. cív. n. 2006.01.1.020732-7 – 4ª Turma Cível – Rel. Des. Cruz Macedo – j: 12.12.2012, v.u. – trechos do acórdão)
“Direito Civil. Responsabilidade civil do médico. Cirurgia plástica. Obrigação de resultado. Superveniência de processo alérgico. Caso fortuito. Rompimento do nexo de causalidade. (…) 2. Em procedimento cirúrgico para fins estéticos, conquanto a obrigação seja de resultado, não se vislumbra responsabilidade objetiva pelo insucesso da cirurgia, mas mera presunção de culpa médica, o que importa a inversão do ônus da prova, cabendo ao profissional elidi-la de modo a exonerar-se da responsabilidade contratual pelos danos causados ao paciente, em razão do ato cirúrgico. 3. No caso, o Tribunal a quo concluiu que não houve advertência a paciente quanto aos riscos da cirurgia, e também que o médico não provou a ocorrência de caso fortuito, tudo a ensejar a aplicação da súmula 7/STJ, porque inviável a análise dos fatos e provas produzidas no âmbito do recurso especial. 4. Recurso especial não conhecido.” (STJ – REsp n. 985.888-SP – 4ª Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j: 16.2.2012, v.u. – trechos da ementa)

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