Marco Antonio Kojorosky, Juliane Carolina Anacleto Pinto e Henrique Nelson Calandra

Uso de tornozeleiras eletrônicas em casos de tentativa de feminicídio ou qualquer outra violência contra a mulher.

A Lei 13.104/2015 inseriu o inciso VI, no artigo 121 do Código Penal Brasileiro, com a finalidade de tipificar o crime de feminicídio. O feminicídio pode ser conceituado como o homicídio praticado contra a mulher pela condição de ser ela do sexo feminino, ou seja, é o menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Configura também a aludida qualificadora o homicídio praticado contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. Desta feita, a incidência da qualificadora reclama situação de violência praticada por homem ou mulher sobre mulher em situação de vulnerabilidade.
Cumpre observar que mesmo antes do advento da Lei 13.104/2015, essa forma de crime já qualificava o homicídio, mas pela torpeza, sendo igualmente rotulada como hediondo. A mudança topográfica deu-se por questões de política criminal, objetivando maior visibilidade ao fenômeno social que é o assassinato de mulheres por circunstâncias de gênero.
O reconhecimento da qualificadora por meio de sua previsão jurídica foi uma importante conquista para o nosso país, tendo em vista que atualmente somos o quinto país no mundo com maior índice de feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Estudos apontam ainda que no Brasil há treze mortes de mulheres por dia decorrentes desse crime e o mais preocupante é que esses índices vêm aumentando gradativamente. (Atlas da Violência 2018 (Ipea/FBSP, 2018)
Fato é que essas mortes não podem ser vistas como casos isolados ou esporádicos, mas sim inseridos dentro de uma cultura, na qual a sociedade neutraliza a violência de gênero e limita o desenvolvimento livre e saudável de meninas e mulheres.
Devemos destacar que, além da vida da vítima, o resultado devastador afeta diretamente a família da vítima, desmantelando a estrutura familiar, nocivo aos órfãos que na maioria dos casos, são menores ou em fase escolar.
Todos sabem da importância da mulher – mãe, é a base do seio familiar, ceifar sua vida, é a total destruição do núcleo familiar.
Então nos surge o questionamento: como diminuir os índices de feminicídio no Brasil? Ao nosso ver, a prevenção é o melhor remédio, de fato tal arguição pode parecer pouco eficaz, mas não há outra forma de diminuir os homicídios contra as mulheres senão por meio de medidas profiláticas. Medidas essas que devem ser adotadas com caráter de urgência.
Sem dúvida nenhuma é preciso que haja uma intervenção social e política que vá de encontro a esse culturalismo à vulnerabilidade feminina, a misoginia. É necessário que esses estigmas de menosprezo à mulher sejam ceifados de nossa sociedade, para tanto se faz necessário a adoção de políticas públicas de ensino a equidade e a justiça voltadas à população como um todo. Porém, como sabemos essa mudança de comportamento social não se dá do dia para a noite, é uma mudança gradativa que pode levar gerações para se consolidar. Enquanto isso, dezenas de mulheres estão morrendo todos os dias em nosso país, sem que haja um efetivo controle estatal.
Atualmente a Lei 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, é o principal marco jurídico de proteção à mulher em nosso país. Com ela a ideia popular de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” vem sendo mitigada. Hoje a sociedade tem maior consciência de que a violência doméstica e familiar que cause lesão e/ou sofrimento a mulher é crime e que deve ser denunciada às autoridades competentes. Embora ainda haja uma longa caminhada nesse sentido.
A Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), previu Medidas Protetivas de Urgência, as quais devem ser aplicadas ao agressor com o fim de salvaguardar a integridade física, psíquica, sexual, moral e patrimonial da vítima. Todavia, tais medidas não estão sendo o bastante para coibir a prática ou mesmo a tentativa de feminicídio contra as mulheres.
Trazemos à baila as medidas protetivas de urgência previstas pela aludida Lei por dois motivos: I- porque como dito anteriormente a Lei Maria da Penha é o marco de proteção à mulher em nosso país. II- porque dentre os feminicídios praticados no Brasil, 83% deles são praticados por mãos de homens que conviviam e nutriam afeto direto com a vítima, ou seja, são praticados no âmbito doméstico e familiar.
Todavia, dentre as medidas protetivas de urgência trazidas pela Lei Maria da Penha, em seus artigos 23 e seguintes, não há a previsão do uso de tornozeleiras eletrônicas ao agressor.
Como sabido, o uso de tornozeleiras eletrônicas foi previsto em nosso ordenamento jurídico por meio da Lei 12.258/2010, tal medida visa à vigilância indireta do indivíduo condenado, por meio de monitoração eletrônica em tempo real e que deve ser adotada em casos específicos. Portanto, para que haja a adoção de tal medida defensiva é necessário que haja previsão legal regulamentando aquela situação pontual.
Desta feita, entendemos que o uso de tornozeleira eletrônica poderia ser adotado em casos de ameaça ou tentativa de feminicídio, tendo em vista a gravidade de tal conduta e o risco à vida da mulher vítima de tais atentados.
O assunto porém ainda não foi pacificado por nosso ordenamento jurídico, mas existem alguns estados precursores no assunto, os quais já preveem essa modalidade de medida protetiva em casos de violência contra a mulher, como é o caso do Estado do Rio Grande do Norte, que no ano de 2018 aprovou a Lei 10.331 a qual dispõe sobre o monitoramento eletrônico de agressor de violência doméstica e familiar contra a mulher, seus familiares e/ou testemunhas.
O estado da Bahia também foi um dos pioneiros no assunto, eis que em setembro do ano passado assinou o termo de compromisso entre as Secretarias de Políticas para Mulheres (SPM-BA) e de Administração Penitenciária e Ressocialização da Bahia (Seap), objetivando o uso de equipamentos de monitoramento eletrônico aos acusados ou condenados de violência doméstica e familiar contra a mulher. O termo de compromisso estabelece como prioridade o uso das tornozeleiras para monitorização de casos em que a medida protetiva com ordem de afastamento da vítima, em fase de investigação ou processo judicial, seja desobedecida pelo agressor, acusado ou condenado.
O estado do Espírito Santo também foi um dos precursores a adotar tal medida, tendo em vista que no ano de 2015 já previa a possibilidade de monitoramento eletrônico aos agressores praticantes de violência doméstica e familiar contra a mulher, objetivando impedir a aproximação destes com a vítima.
Ressaltamos, porém, que embora hajam vários estados se posicionando no mesmo sentido, ainda não há uma regulamentação federal que autorize e preveja o uso dos equipamentos eletrônicos para monitorar os agressores, acusados ou condenados à tentativa de feminicídio ou qualquer outra violência contra a mulher, mesmo que tais agressores já tenham descumprido medidas protetivas anteriormente arbitradas, durante processo judicial ou investigação policial.
Assim, o tema “uso de tornozeleiras eletrônicas em casos de tentativa de feminicídio ou qualquer outra violência contra a mulher”, embora ainda não pacificado em nosso ordenamento jurídico, já existe e deve ser estudado com muita cautela pelos operadores do direito.
Isso porque, existem vários desafios para a concessão da aludida medida protetiva de urgência, como por exemplo, a demora da justiça na análise dos pedidos das vítimas, pois na atual conjuntura o ônus de reunir as provas necessárias para pedir a proteção é da mulher vítima do atentado, sem falar da precária integração do sistema judiciário com a rede especializada de serviços à proteção a mulher.
Neste diapasão, lembramos que o prazo para o encaminhamento dos pedidos de medida protetiva de urgência para apreciação judicial é de 48 horas, sendo mais 48 horas para o deferimento do juiz, mas na prática, não raras vezes, nos deparamos com pedidos que levam até dois meses para serem apreciados, o que torna a medida que deveria ser de urgência, muitas vezes procrastinatória.
Deste modo, podemos perceber que o sancionamento de Lei autorizadora ao monitoramento eletrônico em casos de violência contra a mulher, não resolveria o problema per si, pois outras mudanças na legislação também deveriam ser adotadas, para que a medida fosse implementada com eficiência. Uma das possibilidades seria o próprio delegado de polícia analisar e deferir de plano o pedido de urgência da vítima, viabilizando a proteção mais rápida possível.
Noutro giro, não podemos deixar de observar o lado do acusado, suposto agressor, que seria constrangido a uma medida de monitoração eletrônica, sem que para isso tivesse o pleno gozo de seus exercícios ao contraditório e a ampla defesa, o que poderia acarretar em verdadeiro constrangimento ilegal.
Não se pode deixar de observar ainda que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é o núcleo axiológico que norteia todo ordenamento jurídico e que deve ser observado e priorizado em toda e qualquer situação.
Assim, se de um lado temos uma suposta vítima que poderá estar sofrendo lesão ou ameaça de lesão à sua integridade física, de outro temos um suposto agressor que poderá ser constrangido ao uso de tornozeleira eletrônica, sem que para isso haja decisão judicial reconhecendo sua culpabilidade.
De toda maneira, embora haja pontos favoráveis e outros desfavoráveis, fato é que o monitoramento eletrônico para controle e prevenção de violência doméstica e familiar é uma possibilidade real e imediata, que já vem sendo inclusive adotada em vários Estados brasileiros e que poderia ser sim uma importante arma de proteção à integridade física da mulher à nível Nacional.
Pensamos que em contrapartida, existem vários outros aspectos que deveriam ser observados antes que essa medida fosse adotada, pois na prática a análise cautelar e minuciosa antes da concessão seria imprescindível, para que pudesse ser averiguada a real necessidade da medida, a qual deveria ser adotada como uma espécie de ultima ratio, objetivando-se evitar qualquer tipo de constrangimento ilegal ao suposto agressor, contudo a morosidade na análise técnico jurídica não pode acarretar o perecimento do direito da vítima, podendo ser uma medida preventiva e imediata preservando o bem maior a “vida”.

HENRIQUE NELSON CALANDRA
Advogado e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo

JULIANE CAROLINA ANACLETO PINTO – Advogada Cível e Criminal em Anacleto & Badaró Advocacia – Graduada em Direito pela UNIVEM – Fundação Eurípedes Soares da Rocha, Pós Graduada em Processo Civil pela FMB e especializada na área de registros públicos.

MARCO ANTONIO KOJOROSKI
Advogado e Vice Presidente da OAB Tatuapé

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