Uma decisão judicial do TJMS que mencionou artigo inexistente do Código Civil e os desafios do uso de IA na redação de peças jurídicas
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Por Max Bandeira
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Recentemente, um episódio ocorrido no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul chamou a atenção do meio jurídico: ao proferir voto, um magistrado mencionou dispositivo legal inexistente.
Esse episódio expôs um dos riscos subjacentes ao uso de inteligência artificial no processo de redação de peça jurídicas, conhecido como “alucinação”, em que o modelo gera, com aparente segurança, informações incorretas ou sem fundamento.
Modelos linguísticos operam com base em probabilidades e padrões, não em certeza normativa. Cabe ao julgador — e à equipe técnica que o assessora — revisar, checar e assumir a autoria intelectual do que se subscreve. Erros como esse podem comprometer a fundamentação de decisões e abalar a credibilidade institucional.
É inegável que a inteligência artificial se tornou aliada indispensável no cotidiano do Judiciário. Com a sobrecarga estrutural que assola os tribunais, sistemas automatizados permitem racionalizar tempo, organizar dados e redigir esboços de peças.
Em um ambiente marcado por volume, repetição e prazos exíguos, esses ganhos de produtividade são bem-vindos. No entanto, o uso dessa tecnologia deve estar sempre submetido a validação humana criteriosa. A função jurisdicional é indelegável e exige discernimento técnico, interpretação sistemática e responsabilidade institucional — competências que, até o momento, máquinas não podem reproduzir com plena confiabilidade.
A ausência de regulamentação clara nos tribunais abre margem ao uso informal de ferramentas externas, expondo dados processuais a riscos de segurança, vazamentos e violações à LGPD.
A confiança no sistema de justiça exige que a informação produzida no âmbito judicial seja íntegra e protegida por garantias institucionais. Ao mesmo tempo em que abraça a inovação, o Judiciário deve preservar a qualidade das decisões que profere — e essa qualidade não pode ser terceirizada.
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Max Bandeira, sócio do Bandeira Damasceno Advogados
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