Lino Tavares
Radares ou caça niqueis? A indústria da multa segue arrecadando milhões e a população não sabe ao menos para onde vai este dinheiro
A expressão “Indústria da multa” é antiga e vem da época em que as engenhocas caça-níquel começaram a ser implantadas às margens das rodovias, fotografando veículos em “excesso de velocidade”, que não representa necessariamente a alta velocidade que coloca vidas em risco, mas a ardilosamente convencionada como tal para dificultar os motoristas de escaparem da sanha fiscalista que sacia o apetite arrecadador do poder. Como essa maneira fácil de arrecadar bilhões através de penalidades injustas foi sempre uma espécie de “caixa dois oficial” do governo, cujos montantes arrecadados nunca se soube para onde vão, os governantes que se sucederam no poder até 31 de dezembro de 2018 jamais moveram um palha no sentido de colocar um freio nessa forma de abuso viário. Inconformado com isso, o presidente Jair Bolsonaro incluiu entre as medidas de moralização do poder dar um basta nesse festival de multas usurpativas, reduzindo drasticamente o número de pardais e lombadas eletrônicas, espalhados desregradamente pelo Brasil afora, e determinando o fim dos indigestos radares móveis, que aplicavam multas, de forma traiçoeira, em locais nem sempre compatíveis com a velocidade mínima sinalizada em placas, não raro, quase apagadas ou cobertas pelo matagal.
Não obstante o presidente da República ter classificado a nossa fiscalização de trânsito de “indústria da multa”, fazendo coro a milhões de brasileiros que repetem de longa data esse refrão, o DENIT continua enviando boletos de cobranças de multas antigas contestadas que aguardavam julgamento de Recurso, informando o indeferimento da Defesa apresentada. É claro que nem todos os Recursos apresentados se enquadram nessa faixa de multas lesivas a que se refere o primeiro mandatário da nação. Muitos deles, contudo, correspondem a multas aplicadas nas circunstâncias abusivas preconizadas pelo presidente.
Isso posto, vale dizer que a autoridade de trânsito que representa o Poder Executivo cujo chefe supremo denuncia publicamente a existência de uma “indústria da multa”, pregressa a sua gestão, deveria por questão de coerência com o discurso presidencial tornar insubsistentes essas multas atrasadas, já que teriam sido aplicadas em condições lesivas aos interesses dos condutores de veículos, então vítimas desse mecanismo perverso de fiscalização de trânsito. Mesmo tratando-se de uma denúncia isolada partida de um dos três poderes da República, o simples fato de colocar em dúvida a lisura dos meios utilizados na aplicação dessas penalidades sugere que as mesmas sejam consideras nulas com base no princípio jurídico da presunção de inocência que diz “in dubio pro reo”. Afinal, não faz nenhum sentido o atual governo reforçar seu caixa com “dinheiro sujo” proveniente de ações fiscalizadoras realizadas sob suspeita, segundo afirmação do chefe supremo da mais alta magistratura da nação, divulgada em veículos de grande audiência.