Bebês expostos a violência doméstica, sofrem alteração em seu comportamento, como alteração no sono, tendência ao choro e irritação excessivos
Ana Bernal
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Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, 230.160 mulheres fizeram denuncia por violência doméstica em 26 estados brasileiros, isso significa 630 denúncias por dia. O número de registro de chamadas para o 190 da Policia Militar, ao menos 694.131 ligações por violência doméstica, isto representa 1,3 chamadas a cada minuto no ano de 2020, de vítimas, ou terceiros clamando por ajuda em decorrência de violência doméstica. Já em 2015, das chamadas ao 180, 85% das ligações foram por violência contra a mulher, e na sua grande maioria, os filhos estavam presentes assistindo, sendo que a metade dos casos correspondia a agressão física, e 30% a agressão emocional, psicológica. A exemplo, 65,2% das mulheres que sofreram (agressão física) como batida, empurrão ou chute, tinham filhos.
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Estamos falando de um número muito expressivo de crianças e adolescentes expostos a ambientes de tremendas tensões por violência doméstica nos domicílios, as quais dominadas por sentimentos extremamente intensos, podem ao tentar proteger a mãe, distraindo o agressor, se colocar em situação de extremo risco pessoal. Essas crianças carregam intensos sentimentos de medo, ansiedade, culpa, angústia, tristeza, raiva, preocupação, extremo constrangimento e, uma enorme esperança de resgate.
Estudos demonstram que bebês expostos a violência doméstica, sofrem alteração em seu comportamento, como alteração no sono, tendência ao choro e irritação excessivos. E as crianças em fase escolar, apresentam dificuldade em se concentrarem e no aprendizado, e, ao longo de anos, acabam apresentando uma pré-disposição a desenvolver depressão, uso de álcool e, outras drogas, ideias suicidas, e comportamentos ilícitos. Alguns afirmam que resta prejudicada a empatia, com dificuldade em estabelecerem relacionamentos. Já as mulheres mães, vítimas desses abusos, tendem a enfrentar um enorme desafio para exercer a maternidade, com a saúde abalada, muitas se tornam apáticas, comprometendo a sua capacidade protetiva e de cuidados de seus filhos, e algumas se tornam até agressivas fazendo aquele lar ainda mais hostil para aquelas crianças. Com tudo isso, essas crianças acabam vendo o mundo um lugar inseguro e assustador para se viver.
E não podemos olvidar que essas crianças ao serem expostas à violência, de quem deviam receber proteção e amor, acabam perpetuando violência doméstica e familiar em suas relações futuras, e, assim se estende por gerações, tal violência doméstica. Visto que, um estudo brasileiro, apontou que a violência doméstica é maior em lares, onde a mulher ou, o homem, viveram em lares violentos.
Nesse viés torna-se imprescindível, olharmos para essas crianças, que hoje estão invisíveis, e atender as suas necessidades de forma ampla, conforme preceitos do artigo 227 da Constituição Federal, a qual estabelece o direito de viverem sem violência, impondo às famílias, assim como ao Estado e à sociedade em geral, o dever de garantir tal direito, em caráter universal, com absoluta prioridade. Nessa mesma esteira, vem o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que coíbe ofensa à integridade ou saúde corporal, ou qualquer sofrimento físico, ou psicológico, da criança e adolescente.
Precisamos quebrar esse ciclo, como forma de combater a violência doméstica e familiar, já que essas crianças e adolescentes, são também vítimas diretas dessa violência, ainda tão presente em tantos lares brasileiros.
Desmantelar esta lamentável realidade posta, combatendo tal violência, deve ser pressuroso, sob pena desses filhos se tornarem órfãs do crime bárbaro, como o feminicidio. Quantas dessas crianças e adolescentes, são deixados pelas mães vítimas de feminicidio e pais encarcerados, impossibilitadas de terem um desenvolvimento saudável, convivendo o resto de suas vidas, com a imagem que muitas presenciaram, o feminicidio da própria mãe e, sem qualquer acolhimento, ou assistência por parte do Poder Público.
E que todos nós sejamos, elementos desse efetivo combate, e mudança de cultura e, assim, possamos ver a concretude de nossas lutas, construído uma sociedade mais igualitária, justa e coesa, para todos, extinguindo a mácula social que constituiu a violência doméstica e familiar brasileira.
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Sobre a Autora
Ana Bernal, Advogada Criminalista, especializada em Direito Penal e Processo Penal pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP; Advogada Familiarista; Coordenadora da Escola Superior da Advocacia da OAB/SP – ESA; Relatora do TED – Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP; Autora de diversos Artigos Jurídicos; Colunista; Palestrante; Fundadora do Grupo de Mulheres Voluntárias – O Limite do Amor.
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Referencias:
- DIAS, Maria Berenice – A Lei Maria da Penha na Justiça -Ed. Juspodivm, 2021;
- DIAS, Maria Berenice – A Justiça e os Crimes Contra as Mulheres – Ed. Livraria do Advogado – 2004;
- PCSVDF Relatório Executivo III – 2016.
- https://forumseguranca.org.br;
- https://agenciabrasil.ebc.com.br/
- https://educa.ibge.gov.br;
- https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-infancia-e-juventude;
- https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/maio/Cartilha_auxilia_mulheres_no_enfrentamento__violencia;