Lucas Malavasi
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O robô “CaseCrunch Alpha”, criado por 4 estudantes de direito da Universidade de Cambridge, derrotou 100 advogados dos escritórios mais sofisticados de Londres numa competição que simulava litígios securitários. O robô “DoNotPay”, criado por um inglês de 19 anos em 2015, já acumula centenas de milhares de cases de sucesso em recursos contra multas de trânsito. O programa COIN do Banco J.P. Morgan, economizou, em um ano, 360.000 horas de trabalho que eram despendidas por advogados para análise de acordos de empréstimos comerciais.
Escritórios nos Estados Unidos e Reino Unido já empregam softwares com inteligência artificial para não só automatizar a gestão dos processos, como também para elaborar petições, interpretar sentenças, pesquisar jurisprudências, realizar cálculos, sugerir soluções aos advogados e até mesmo realizar mediações online entre empresas e consumidores.
Em território nacional, há, por exemplo, um escritório de advocacia que reduziu seu efetivo de advogados pela metade após a instalação de sistema de inteligência artificial, permitindo que cada advogado conseguisse gerir mais de 800 processos judiciais ao mesmo tempo – esse fato, inclusive, é de 2016.
De modo geral, os responsáveis por essas tecnologias enfatizam seu potencial para auxiliar juristas no desempenho de tarefas acessórias (vide Jurimetria), e não como forma de substituí-los na realização de tarefas onde é requerido conhecimento eminentemente jurídico. Contudo, não há nenhuma dúvida de que a implementação da inteligência artificial na gestão de processos judiciais tornará irrelevante a manutenção de grandes equipes de juristas, assessores e estagiários – entenda-se que tal material humano tomará outras frentes nos escritórios.
Pode parecer exagerado, mas é exatamente o que está ocorrendo hodiernamente com a plataforma Watson da IBM, que constitui a base na qual o software ROSS do escritório de advocacia americano Baker Hostetler está rodando. De fato, esse programa já é capaz de, em poucos segundos, analisar milhões de documentos, reconhecer padrões e traçar correlações sem que uma pessoa esteja coordenando o processo.
O desenvolvimento deste tipo de tecnologia é veloz e vem sendo acelerado pelo entusiasmo que seus impressionantes resultados proporcionam tanto no mundo acadêmico quanto no mundo corporativo. Portanto, tal qual aconteceu com inovações tecnológicas recentes em outros ramos de negócio, a inovação não pedirá passagem e crescerá a ponto de se tornar, usando jargão financeiro americano, “too big to fail” (em português, “grande demais para fracassar”).
De fato, atualmente, o único impedimento para que isto ocorra com a gestão de processos judiciais é de ordem ética, uma vez que juristas de todas as classes temem que a obsolescência da intervenção humana resulte na insensibilização do Judiciário para as nuances de cada caso, prejudicando a realização de verdadeira Justiça.
É verdade que a oferta de um sistema sofisticado de inteligência artificial para gerir processos de um escritório de advocacia ainda não é algo que possa ser suportado financeiramente pela maioria das firmas brasileiras (a contratação excederia a um milhão de reais por ano), porém a expectativa é de que, tal como aconteceu com outras tecnologias disruptivas, haja um significativo barateamento dos custos em poucos anos, em relação direta com a sua popularização.
Não é por outra razão que a Ordem dos Advogados do Brasil está dividida entre a vontade de modernizar a prática jurídica e o agir com cautela diante de uma inovação com forte potencial para descaracterizar a função social do Direito. O temor não é apenas relacionado à perda de postos de trabalho (um relatório da americana Delloite afirma que mais de 40% das atividades do setor possam se tornar obsoletas em 20 anos), mas que a tecnologia consolide a prática do Judiciário de atirar processos peculiarmente distintos dentro do que o Ministro Marco Aurélio de Mello do STF chamou de “vala comum do menor esforço”. [1]
Seguramente, a capacidade de processamento e análise de um sistema de inteligência artificial seria determinante para que o Judiciário ganhasse uma robusta carga de segurança jurídica e uniformidade de suas decisões. Contudo, esse cenário somente seria o exponencial do que os jurisdicionados vivem atualmente com a indexação de processos distintos no mesmo rol de demandas repetitivas, em que o trabalho do advogado em individualizar a demanda se faz mais necessário.
De fato, a prenunciada generalização do Judiciário requer que o jurista trabalhe como analista jurisprudencial, de forma a se antecipar aos fluxos decisórios, estudar as vantagens e desvantagens de retirar determinado processo desse rumo e traçar estratégias para a diferenciação. Em outras palavras, o advogado do mundo dos processos que correm autônoma ou semiautonomamente não deve somente monitorar e atuar em suas causas, mas também modelá-las e manobrá-las.
O que se vê, portanto, é que este novo cenário reserva novos papéis ao jurista, que não menosprezam sua formação humanística ou desconsideram a experiência prática adquirida por um jurista atuante no ambiente atual. A mudança esperada tão somente elevará o mais elementar profissional do direito ao papel de administrador de sua carteira de processos, circunstância na qual um portentoso currículo acadêmico e empírico se torna ainda mais decisivo.
Nos dizeres do professor de tecnologias jurídicas na Escola de Direito da Universidade de Michigan (EUA), Daniel Linna, não se trata de eliminar a confiança na intuição dos advogados, mas somente constatar que “agora temos a possibilidade de consultar análises realizadas com o suporte de dados reais, não subjetivos, com a aplicação de programas de inteligências artificiais”, o que é “muito mais seguro para o cliente”. [2] [1] PSV nº 57
[2] LOPES, André. Advogados são o próximo alvo da inteligência artificial. Veja.com. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/tecnologia/advogados-sao-o-proximo-alvo-da-inteligencia-artificial/>. Acesso em: 10 jan. 2018.
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