Isenção de contribuições previdenciárias – Não resta dúvida de que o transporte de empregados, seja mediante vale-transporte, ticket, dinheiro ou o próprio deslocamento, não configura salário
Num momento de pandemia como esse que estamos vivenciando, que, para a maioria, jamais vivido, é inegável que a economia sofreu um golpe muito forte e, consequentemente, o empresariado teve seu faturamento reduzido demasiadamente, tendo, por outro lado, que continuar a cumprir com suas obrigações financeiras, sobretudo com funcionários, fornecedores, aluguel, contas fixas, como água, luz, internet, e, obviamente, o Fisco (federal, estadual e municipal).
Diante desse cenário, muitos tiveram que se socorrer a empréstimos bancários, demissões de funcionários, renegociações com fornecedores, faturas com clientes e, até mesmo, com o proprietário do imóvel, nos casos de locação.
Atentos quanto ao momento empresarial vivenciado nesse período, nós advogados somos questionados, com frequência, se haveria alguma forma legal de redução da carga tributária e um aspecto muito interessante está diante da onerosidade existente na tributação quanto à folha de salários/remuneração.
A folha de pagamento traz o cálculo do salário bruto dos empregados, que é composto pelo salário líquido acrescido dos descontos permitidos pela legislação do trabalho. Dentro do salário bruto há descontos de vale-transporte, vale-refeição, vale-alimentação, planos de saúde, médico e odontológico, entre outros. Em razão disso, se faz a indagação se a base de cálculo das contribuições previdenciárias deve ser feita sobre o salário bruto ou o líquido.
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Pois bem! A legalização da hipótese de incidência constitucional da contribuição previdenciária ocorreu por meio do artigo 22 da Lei n. 8.212, de julho de 1991. O inciso I desse artigo descreveu a base imponível da contribuição, restringindo a incidência aos rendimentos do trabalho.
Referido dispositivo não pormenoriza as parcelas remuneratórias passíveis de tributação, agindo na generalização. Salário, gorjeta, ganhos sob a forma de utilidades, bem como outras espécies de remuneração compreendem o predicado da incidência. O único pressuposto à tipificação é que a parcela remuneratória seja destinada a “retribuir o trabalho”.
Não podemos conferir outro sentido à expressão “remuneração” senão aquela adjudicada pela CLT. Isso não significa, contudo, que todas as “remunerações” descritas pela CLT integram a hipótese de incidência da contribuição previdenciária, porquanto que essa qualidade é reservada tão somente àquelas “remunerações” que retribuem, em dinheiro ou em utilidades, o trabalho prestado.
Dentro desta perspectiva, entendemos que o transporte, em suas diversas modalidades (vale-transporte, dinheiro, ou deslocamento concedido pelo empregador), não pode ser reconhecido como salário, muito menos o montante que é assumido pelo empregado. Apesar de, indiretamente, possuir relação com o vínculo empregatício, não representa para o empregado um ganho decorrente do trabalho pessoal que executa em favor do empregador.
O pagamento deste benefício, permitindo o deslocamento entre a residência e o trabalho e vice-versa, seja por meio de um vale-transporte a ser utilizado como pagamento a uma concessionária do serviço público (empresa de transporte), como em dinheiro, ou, ainda, por meio de frota própria ou via contratação de empresas terceirizadas, nada mais se trata do que um mero ressarcimento por um custo incorrido pelo trabalhador.
Não resta dúvida, portanto, de que o transporte de empregados, seja mediante vale-transporte, ticket, dinheiro ou o próprio deslocamento, não configura salário, sobretudo, pelo caráter indenizatório, de tal sorte que se torna indevida a exigência de contribuições previdenciárias sobre a folha de salário e/ou remuneração em tal hipótese.
Sobre este tema, importa salientar, inclusive, que o STF[1] e o STJ[2], assim como o próprio CARF[3], já se manifestaram nesse sentido, razão pela qual entendemos que os valores correspondentes ao percentual de 06% (seis por cento), descontados das remunerações pagas ou creditadas aos empregados, não devem se sujeitar à incidência de contribuições previdenciárias da empresa e do empregado sobre a folha, legitimando, inclusive, a recuperação dos créditos das contribuições indevidamente recolhidos a esse título nos últimos 05 (cinco) anos.
Por sua vez, com relação ao vale-refeição e vale-alimentação, estes também não deixam de ser um instrumento para o trabalho, caracterizando, até mesmo, uma indenização.
Independentemente disso, o artigo 28, § 9º, alínea “c”, da Lei n.º 8.212/91, exclui do salário-de-contribuição a parcela in natura – e o vale ou ticket, como patrimônio afetado, se identifica com a parcela in natura – recebida de acordo com os programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, nos termos da Lei n.º 6.321/76. Aliás, o próprio artigo 3º, da Lei n.º 6.321/76, isenta a parcela paga in natura nos programas de alimentação – PAT.
Por essas razões, não resta dúvida de que os “descontos” ou pagamentos de parte do custo destes benefícios pelo empregado (vale-alimentação e vale-refeição, ainda que pagos via tíquetes, cartões eletrônicos ou similares) não devem compor a base de cálculo para fins de contribuição previdenciária.
Da mesma forma, os valores relativos aos planos de saúde médico e/ou odontológico, não devem se sujeitar à incidência de contribuições previdenciárias.
No caso do Plano Odontológico, há desconto em folha de pagamento todos os meses para que os empregados possam usufruir dos Planos. No caso do Plano Médico, existe um componente de coparticipação quando há efetiva utilização do Plano para exames clínicos ou consultas médicas. Nesta situação, o empregado participa, mediante desconto em folha, no custeio da despesa incorrida com o serviço médico efetivamente utilizado naquele mês.
Assim, raciocínio idêntico deverá ser estendido para esta coparticipação dos empregados no custeio do Plano de Saúde. Isto porque, nos termos da legislação previdenciária, não resta dúvida de que os valores despendidos a título de assistência médica e odontológica são isentos do recolhimento da contribuição previdenciária (Art. 28, § 9º, alínea “e”, letra q, Lei n.º 8.212/91).
Vale lembrar que, com a reforma trabalhista (“Lei n.º 13.467/2017”), cujo texto passou a valer a partir da segunda quinzena de novembro de 2017, a redação do artigo 28, § 9º, da Lei n.º 8.212/91, foi alterada e o então existente requisito – de necessidade de extensão do Plano a todos – para gozar da isenção de Contribuição Previdenciária foi suprimido.
Assim, nos termos da legislação previdenciária, não resta dúvida de que os valores relativos à assistência médica e odontológica não tratam de hipótese de incidência de Contribuição Previdenciária, independentemente do fato do benefício ser extensível a todos.
Assim sendo, com base em posição pacífica da jurisprudência, é totalmente defensável que a coparticipação do empregado no custeio do benefício não deve ensejar qualquer tributação previdenciária.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. São Paulo: RT. 1988, p. 86 e ss.
BORGES, José Souto Maior. Isenções Tributárias. São Paulo: Sugestões Literárias. 1969, p. 190.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva. 1972, p. 277.
Constituição Federal de 1988
Código Tributário Nacional – CTN
Lei Complementar n.º 109/2001
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT
Lei n.º 8.212, de 1991
Lei n.º 10.243, de 19 de junho de 2001
Lei n.º 13.467/2017
Decreto n.º 95.247/1987
Decreto n.º 3.048/99
Instrução Normativa nº 1.867/2019
Instrução Normativa nº 971/09
Solução de Consulta n.º 288/2018
[2] REsp 194.229/RS.
[3] Acórdão nº 2301-005.193.