Daniel Medeiros
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“O poder corresponde à habilidade humana de não apenas agir, mas de agir em comum acordo. Este jamais é propriedade de um indivíduo, pertence a um grupo e existe apenas enquanto o grupo se mantiver unido. Quando dizemos que alguém está ‘no poder’ estamos na realidade nos referindo ao fato de encontrar-se esta pessoa investida de poder, por certo número de pessoas, para atuar em seu nome. No momento em que o grupo – de onde se originara o poder – desaparece, desaparece também o seu poder” (Hannah Arendt).
A violência é o outro extremo da política. Onde há violência, no seu estado bruto, avassalador, há silêncio – e onde há silêncio, não há política. Aristóteles define o ser humano como um “animal político” e como “um ser dotado de linguagem”. Isto é: usamos nossa condição de humanos para exercer nossa liberdade pública, por meio da nossa fala e das nossas ações. A violência é o campo da imposição e da opressão; a política, o campo do convencimento e do consenso. Para uma, as armas são a intimidação, o terror; para outra, a palavra e os bons argumentos. A vitória da violência é o silêncio do outro; a vitória da política é a isegoria, o direito de todos falarem.
Nada é mais perigoso para a política do que seu envolvimento com a violência. Isso porque a violência é um recurso que não encontra reação fora dela mesma – daí o risco altíssimo de seu uso gerar uma espiral de “respostas” tão ou mais violentas que o seu início.
A violência nunca é um fim em si mesma. É instrumental, serve a propósitos que estão além dela. A violência não é a essência de nada. O problema reside aí: quando enxergamos na violência a forma mais adequada para alcançar algo, mas não conseguimos delinear com clareza esse algo e, principalmente, o tempo para alcançar esse objetivo, a violência acaba tornado-se a única coisa concreta do projeto político.
A violência paralisa e, por isso, limita a ação. A democracia é a prática da ação que contrapõe ideias e projetos e, por meio do debate, da fala, constroem-se os consensos. Os consensos são sempre provisórios, pois que a liberdade que é inerente ao espaço público democrático – a polis – renova sempre a oportunidade de mudanças desses mesmos consensos. Aos que não se juntam à maioria, resta sempre a oportunidade de reverter suas derrotas e construir novos projetos. Essa é a ideia que os gregos nos legaram, essa invenção maravilhosa. No entanto, à espreita, há a violência que quer calar, que quer imobilizar, que quer apagar as diferenças, que quer impedir o debate, que quer sufocar a novidade das expressões de vida no mundo, que quer uniformizar os comportamentos, essa violência é anti-democrática por excelência. E ela precisa ser combatida pela palavra, pela ação – e nunca pela própria violência.
Se a violência tivesse consciência, como um maléfico monstro mítico, riria de nossas raivas e de nossas reações brutas. O antídoto para esse monstro é a voz, a palavra, os projetos coletivos, o respeito pelo consenso, o repúdio por toda forma de discriminação e silenciamento. A palavra “democracia” tem efeito paralisante sobre o monstro desumanizador. É possível vencê-lo. Mas, para isso, é preciso valermo-nos da coragem da calma e da prudência. Em um ambiente de paz, é fácil identificar o inimigo: ele é exatamente aquele que quer acabar com o ambiente de paz.