A busca pessoal aleatória, que ocorre sem autorização judicia e não atende aos dispositivos legais

Já sofreu busca pessoal, enquadramento – também conhecido como baculejo – e não soube por que, entenda que por muitas vezes tal ato ocorrerá por simples intuição da autoridade policial.

Todavia, é importante salientar que, segundo disposto nos artigos 240, §2º e 244, ambos do Código Penal, o enquadro só poderia ocorrer se houvesse “fundadas suspeitas de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papeis que constituam corpo de delito”.

Tais dispositivos buscam evitar – o que vale é a intenção – que a autoridade policial realize buscas pessoais com base unicamente na sua intuição, isto pois, a busca pessoal aleatória, que ocorre sem autorização judicia e não atende aos dispositivos legais supracitados, é uma violação à liberdade do cidadão.

A percepção de nervosismo do averiguado por parte de agentes públicos é dotada de excesso de subjetivismo e, por isso, não é suficiente para caracterizar a fundada suspeita para fins de busca pessoal.

Já sofreu busca pessoal, enquadramento – também conhecido como baculejo – e não soube por que, entenda que por muitas vezes tal ato ocorrerá por simples...

O caso concreto

Tal precedente surgiu a partir do caso em que um homem foi preso em flagrante por tráfico de drogas, após sofrer abordagem por uma guarnição da Polícia Militar, isso porque pilotava sua moto com uma mochila nas costas na qual portava de 50 porções de maconha e 72 de cocaína.

Porém, conforme explica o advogado de defesa, a abordagem foi genérica e insuficiente, violando os artigos do Código de Processo Penal supracitados, ensejando no Recurso em Habeas Corpus nº158.80/80, cujo Relator Ministro Rogério Schietti, julgado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que proferiu o seguinte entendimento

“Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições/impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, baseadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de “fundada suspeita” exigido pelo art. 244 do CPP.”

De forma magnifica, ressaltou o Relator que o stand probatório que para realização da busca pessoal, sem autorização judicial, devem existir fundadas suspeitas – a partir de um juízo de probabilidade fundado em dados concretos – justificadas e averiguadas de forma objetiva, que culmine na urgência da execução da diligência policial.

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Ilicitude da prova e das demais que dela dependerem

Ressaltou o Ministro que a existência de objetos ilícitos encontrados durante a abordagem não é possível para validar uma fundada suspeita anterior, em suas palavras

O fato de haverem sido encontrados objetos ilícitos – independentemente da quantidade – após a revista não convalida a ilegalidade prévia, pois é necessário que o elemento “fundada suspeita” seja aferido com base no que se tinha antes da diligência. Se não havia fundada suspeita de que a pessoa estava na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não há como se admitir que a mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior à revista do indivíduo, justifique a medida.

Assim, o entendimento pacificado foi de que não é possível a realização de busca pessoal – enquadro, baculejo – a partir de denúncias anônimas não verificas, abordagens consideradas “de praxe” ou com base unicamente na intuição policial, visto que, a violação dos artigos 240, §2º e 244, ambos do Código Penal, acarreta a ilicitude das provas obtidas, podendo contaminar as demais que dela dependerem – inclusive – a prisão em flagrante.

Durante o voto, esclareceu o Minsitro Schiedetti que “Sob essa perspectiva, a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos –– diante da discricionariedade policial na identificação de suspeitos de práticas criminosas – pode fragilizar e tornar írritos os direitos à intimidade, à privacidade e à liberdade.”

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Componente racial nas abordagens “de praxe”

Segundo o Ministro Relator, as autoridades policiais agem de forma arbitrária ao não justificarem a abordagem policial, além de realizarem tal ato, de forma majoritária, em pessoas de pele negra, evidenciando a discriminação da conduta para com pessoas mais vulneráveis, reiterando seu posicionamento “Certamente, e parafraseando o mote dos movimentos antirracistas, é preciso que sejamos mais efetivos ante as práticas autoritárias e violentas do Estado brasileiro, pois enquanto não houver um alinhamento pleno, por parte de todos nós, entre o discurso humanista e ações verdadeiramente transformadoras de certas práticas institucionais e individuais, continuaremos a assistir, apenas com lamentos, a morte do presente e do futuro, de nosso país e de sua população mais invisível e vulnerável. E não realizaremos o programa anunciado logo no preâmbulo de nossa Constituição, de construção de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”

 

De acordo com o brilhante julgamento, in verbis, “O que se percebe, portanto, é que, a pretexto de transmitir uma sensação de segurança à população, as agências policiais – em verdadeiros “tribunais de rua” – cotidianamente constrangem os famigerados “elementos suspeitos” com base em preconceitos estruturais, restringem indevidamente seus direitos fundamentais, deixam-lhe graves marcas e, com isso, ainda prejudicam a imagem da instituição e aumentam a desconfiança da coletividade sobre ela”

Ainda nessa mesma seara, ressaltou que as abordagens policiais são excessivas e ineficientes, contribuindo apenas para configurar uma imagem horrível da instituição perante a sociedade, destoando do seu dever de proteger os cidadãos, utilizando-o o poder ao qual foi investido para gerar consequências negativas a estes.

Destaca-se que um dos objetivos de se exigir o respeito a lei, especialmente aos artigos supramencionados se faz para “evitar a repetição – ainda que nem sempre consciente – de práticas que reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial (racial profiling), reflexo direto do racismo estrutural, sobre os quais convém tecer considerações mais aprofundadas.”

No voto, o Ministro Rogério Schietti apresentou dados do Índice de Confiança na Justiça brasileira (ICJBrasil), Fundação Getúlio Vargas, do Instituto Datafolha, Periferia, racismo e violência e do Direito Comparado que apontam a dureza, ineficácia e quantidade alarmante de enquadro sobre pessoas vulneráveis, com a premissa da “atitude suspeita”, demonstrando a discrepância sobre a abordagem em outros países.

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Posicionamento adotado

O posicionamento adotado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça não mudou desde o julgamento do Habeas Corpus 659.689, no qual o homem foi absolvido após ser preso por demonstrar “excessivo nervosismo ao ver uma viatura policial”.

Desta forma, o que se obtém é um posicionamento incisivo para cumprimento da lei, deixando de reconhecer a abordagem “de praxe” ou com fundamentos inócuos, somente permitindo a busca pessoal se houver fundada suspeita concreta.

Além do caso supracitado, esta mesma Turma já vetou condenações baseadas unicamente no reconhecimento por foto (HC 598.886), exigiu que as autoridades policiais gravassem a autorização do morador antes de entrar na residência (HC 598.051) e determinou o regime aberto para pequenos traficantes (HC 596.603).

A defesa da melhoria das instituições e a mudança da cultura das agencias estatais é explanada pelo Ministro Rogério Schietti nos seguintes dizeres “Como já tive oportunidade de asserir, sem dúvida alguma, ao Poder Judiciário está reservado um papel decisivo na mudança de cultura das agências estatais que compõem o sistema de justiça criminal. Nenhuma delas está a salvo de cobranças por uma melhoria da qualidade de sua atuação: polícias, Ministério Público, advocacia, Defensoria Pública, Judiciário, todos nós, que exercemos cargos ou funções estratégicas, temos nossa parcela de responsabilidade e dela não podemos nos esquivar.”

O que se extrai deste posicionamento, é que cabe ao Poder Judiciário estabelecer, de forma incisiva, que as agencias estatais, componentes da Justiça Criminal, mudem a cultura e passem a respeitar os limites impostos pela lei, assegurando a transparência e melhores resultados.

Já sofreu busca pessoal, enquadramento – também conhecido como baculejo – e não soube por que, entenda que por muitas vezes tal ato ocorrerá por simples...
Advogada Criminalista Thais Monteiro

Sobre a autora

Thais Monteiro é advogada criminalista, pós-graduada em direito digital. Atua nas área do direito penal e digital, com foco em crimes cibernéticos. Integrante da ANPPD, ICCS e Septem Capulus.

E-mail de contato: thaissmas@outlook.com

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