Este artigo trata do Projeto de Lei em trâmite no Congresso Nacional, que irá criar uma Lei Geral de Licenciamento Ambiental, visto que, hoje em dia este não tem um tratamento muito uniforme e cada estado acaba legislando de uma forma, alguns ainda não aprovaram uma lei estadual e acabam orientado seus processos de licenciamento com base em resoluções CONAMA da década de 80 e 90
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O artigo a seguir foi publicado em 2020 no Livro: “Direito do ambiente em perspectiva”, da editora D’Plácido, obra coordenada pelos colegas advogados Marcelo Azevedo e Bruno Malta.
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Autores
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Rafael Aleixo de Oliveira
Guilherme Simões Ferreira
André Ricardo Lima Ferreira
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INTRODUÇÃO
O tema licenciamento é frequentemente um dos assuntos mais controversos em matéria ambiental. Instituído em 1981 como um dos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente, sempre teve papel de destaque nos debates, uma vez que está relacionado diretamente à possibilidade – ou não – do exercício da atividade econômica.
O ilustre professor Paulo Affonso Leme Machado[1] nos ensina que:
O exercício das atividades econômicas no Brasil é livre, isto é, independe de prévia intervenção do Poder Público. Esse é o sistema que rege a matéria consoante a CF/88, conforme seu artigo 170, parágrafo único.
Firmada a premissa acima, surge um paradoxo, qual seja, de um lado, o setor produtivo alegando que o licenciamento é um procedimento excessivamente burocrático, com regras não tão claras, cujo efeito traria insegurança jurídica para o investidor, afastando, assim, a implementação de novos empreendimentos no país.
Por outro lado, é fundamental reconhecer que a maioria dos órgãos ambientais não têm a estrutura e os recursos humanos necessários ou devidamente capacitados tecnicamente para fazer frente ao grande volume de solicitações e renovações de licença ambiental.
Além disso, como apontou auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União, a tão criticada demora na análise do licenciamento, em muitos casos, se deve a falhas nos estudos técnicos apresentados pelos empreendedores. Especificamente em relação aos licenciamentos conduzidos pelo IBAMA, o TCU[2] concluiu que “há atrasos na elaboração de termos de referência, mas também há atrasos expressivos nas fases de elaboração e adequação do EIA/RIMA, que são de responsabilidade dos empreendedores”.
Preliminarmente, cumpre-nos distinguir qual a diferença entre licenciamento ambiental e a licença administrativa. Assim, frisamos que, a licença é uma espécie de ato administrativo unilateral e vinculado, no qual a Administração Pública em geral faculta ao Administrado, uma vez preenchido os requisitos legais, o exercício de uma atividade.
Por outro lado, temos que licenciamento ambiental, na lição do festejado autor Celso Antonio Pacheco Fiorillo[3] tem a seguinte definição:
“…é o complexo de etapas que compõe o procedimento administrativo, o qual objetiva a concessão de licença ambiental…”
Mas, afinal, qual a função do licenciamento ambiental?
Sabemos que conforme preceitua o art. 9º, IV, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), o licenciamento ambiental é um instrumento de caráter preventivo de tutela do meio ambiente.
Em artigo publicado recentemente, Sanchez[4] cita algumas funções para as quais o licenciamento deveria servir, sendo a principal delas:
Em primeiro lugar, dar fundamento técnico a decisões públicas sobre empreendimentos que afetem os recursos ambientais, os meios e os modos de vida das comunidades, e a capacidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades. Compreender essa função primordial tem importante consequência prática: não pode haver obrigação de que uma licença seja concedida, e muito menos de que seja aprovado o projeto tal qual pretendido pelo empreendedor – é necessário desenvolver alternativas de menor impacto e demonstrar sua viabilidade ambiental.
O ilustre professor Edis Milaré[5], na sua renomada obra Direito do Ambiente, quando leciona sobre a função do licenciamento ambiental, assevera que:
Como ação típica e indelegável do Poder Executivo, o licenciamento constitui importante instrumento de gestão do ambiente, na medida em que, por meio dele, a Administração Pública busca exercer o necessário controle sobre as atividades humanas que interferem nas condições ambientais, de forma a compatibilizar o desenvolvimento econômico com a preservação do equilíbrio ecológico.
Já em relação à legislação vigente sobre a matéria, os regramentos aplicáveis ao licenciamento estão dispersos em inúmeros instrumentos: leis, resoluções do CONAMA, portarias, instruções normativas, estabelecidos nas mais diversas esferas do Poder Público – União, Estados, Distrito Federal e Municípios, integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).
Somam-se a tal cenário, os inúmeros atos autorizativos ou anuências vinculadas ao processo de licenciamento, definidas em normativos temáticos específicos, relacionadas aos órgãos intervenientes que devem se manifestar, resultando, assim, na morosidade da análise e concessão das licenças ambientais.
Merecem destaque, ainda, as recentes alterações de procedimentos do licenciamento ambiental estabelecidas no âmbito da Lei de Liberdade Econômica – Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019.
Sob esse contexto, configura-se a necessidade de uma base jurídica nacional mais sólida, que assegure um mínimo de padronização nos processos de modo a evitar conflitos entre normas editadas pelos Entes Federativos. Neste sentido, a proposta apresentada no Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL nº 3729/04), ora em discussão para aprovação em sua 4ª versão, de 08 de agosto de 2019, emerge como oportunidade de organização, consolidação e uniformização desses preceitos normativos, numa única lei, de caráter nacional, se configurando como guia orientador basilar para os empreendedores.
Ocorre que, mesmo após dezesseis anos da apresentação do PL, o setor produtivo e os ambientalistas tentam, ainda, chegar a um consenso. Naturalmente, como toda discussão que envolve interesses diferenciados dos vários atores envolvidos, está implícita a divergência de opiniões, bem como críticas voltadas à sua implementação.
Contudo, críticas à parte, é inconcebível que até hoje no Brasil não tenhamos um Marco Regulatório sobre o Licenciamento Ambiental. Segundo alguns veículos de imprensa, o Brasil hoje teria mais de 50 mil normas tratando de meio ambiente, mas infelizmente nenhuma lei federal normatizando e uniformizando o processo de licenciamento em âmbito nacional.
Destarte, isto por si só evidencia que nunca houve uma preocupação legítima ao longo das últimas décadas para estabelecer um vetor mínimo de direcionamento para os processos de licenciamento ambiental, cabendo ao Poder Executivo até então, ditar estas regras por meio dos seus órgãos que compõe o Sisnama.
E quando se discute sobre licenciamento ambiental no Brasil, seja num fórum de técnicos da iniciativa privada, seja num fórum de colegas advogados ambientais ou até mesmo em seminários e congressos que contam com a participação de membros dos órgãos licenciadores, constata-se que há unanimidade no que diz respeito a concluir que atualmente a sistemática do licenciamento não atende aos seus objetivos.
Este cenário, na maioria das vezes, produz insegurança jurídica aos empreendedores (muitos com investimentos estrangeiros), às próprias equipes técnicas ou consultorias que elaboram os estudos necessários, aos integrantes dos órgãos regulatórios que avaliam os projetos e principalmente ao Ministério Público (que sob a prerrogativa de fiscal da lei, coloca-se como verdadeiro gestor do licenciamento, exigindo por vezes ações, estudos e providências eivadas do devido respaldo legal) e, por fim, ao Poder Judiciário, que constantemente não dispõe de conhecimento técnico ou de tempo para se debruçar com a necessária atenção, que lhe permita proferir decisões mais assertivas.
O desafio desta futura Lei Geral do Licenciamento é convergir para um texto que compatibilize atividade econômica e proteção ambiental. Neste sentido, Patricia Iglesias, presidente da CETESB[6], bem ponderou:
O licenciamento, convém lembrar, é procedimento que permite realizar novas atividades econômicas levando em conta aspectos primordiais da proteção dos recursos naturais. Na prática, busca conjugar proteção socioambiental e eficiência no processo produtivo.
Não só. O órgão licenciador deve considerar os aspectos necessários para dar segurança jurídica ao empreendedor, de forma que a licença concedida prevaleça em caso de questionamentos técnicos e jurídicos. Novas práticas têm de ser buscadas e, por isso, o órgão pode e deve auxiliar o setor privado, incentivando novas tecnologias e modernizando as regras do licenciamento com rapidez e eficácia.
(…)
Erra e prejudica o Brasil quem busca colocar em extremos opostos a proteção ambiental e a atividade econômica. Erra quem deposita, na falsa ideia de que as normas do licenciamento não atendem as nossas necessidades. Problemas estruturais, de gestão, de política ambiental merecem correção.
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O LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL
A Lei nº 6.938 instituiu, em 1981, a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) com o objetivo de preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.
Dentre os vários instrumentos previstos visando à consecução dos objetivos da PNMA, o licenciamento ambiental está elencado em seu art. 9º, IV. Por conseguinte, para dar efetividade ao novo instrumento, o prévio licenciamento ambiental para atividades que utilizassem recursos naturais passou a ser obrigatório, conforme dispõe o art. 10 do referido instrumento normativo:
Art 10 – A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente, integrante do SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.[7]
Passados cinco anos da publicação da Lei nº 6.938, foi editada, em 1986, a Resolução CONAMA nº 01/86, cujo artigo 2° dispôs sobre a obrigatoriedade de elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) nos casos de licenciamento de atividades modificadoras do Meio Ambiente, bem como definiu as atividades para as quais o EIA seria obrigatório.[8]
Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, o Estudo de Impacto Ambiental, passou a ter índole constitucional, passando a ser exigido para atividades causadoras de significativa degradação ambiental, nos seguintes termos:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
- 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
Antes disso, vale ressaltar que existia apenas no ordenamento jurídico brasileiro, um instrumento semelhante previsto na Lei de Zoneamento Industrial (Lei n. 6.803/1980), que no seu art. 10, § 3º, estabelecia um estudo prévio acerca das avaliações de impacto para a aprovação das zonas componentes do zoneamento urbano. Entretanto, este instrumento não contemplava a participação pública e era um meio de definição de zonas estritamente industriais e não integrante de um processo de licenciamento ambiental.
Como muito bem lembrado por Celso Antonio Pacheco Fiorillo[9] o nosso EIA não é uma criação tupiniquim, senão vejamos: “Trata-se de um instrumento originário do ordenamento jurídico americano, tomado de empréstimo por outros países, como a Alemanha, a França e, por evidência, o Brasil”.
A previsão constitucional para o Estudo de Impacto Ambiental foi um avanço em relação ao texto da Resolução CONAMA nº 01/86, uma vez que o EIA não será mais a modalidade de avaliação apta para subsidiar atividade meramente modificadora do meio ambiente, mas, sim, para atividade capaz de causar significativo impacto ambiental.
Nos casos de empreendimentos que não sejam potencialmente causadores de significativa degradação ambiental, há outros estudos que poderão ser elaborados.
Neste sentido, em 1997, a Resolução nº 237 do CONAMA, em seu artigo 1º, inciso III, estabeleceu, exemplificativamente, espécies de estudos ambientais para subsidiar o licenciamento que não necessariamente o EIA/RIMA, como o Plano e o Projeto de Controle Ambiental, o Relatório Ambiental, o Relatório Ambiental Preliminar, o Diagnóstico Ambiental, o Plano de Manejo, o Plano de Recuperação de Área Degradada e a Análise Preliminar de Risco.
Ainda sobre o licenciamento ambiental, preconiza a Constituição Federal no seu art. 23, VI, que: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.
Para melhor entendermos os ditames constitucionais transcritos acima, é louvável mais uma vez nos recorrermos à doutrina do Prof. Paulo Affonso Leme Machado[10], que sobre o dispositivo acima, nos esclarece que:
“O art. 23 trata, entre outras matérias, da função administrativa das pessoas jurídicas de Direito Público que compõem a República Federativa do Brasil. A competência é, ao mesmo tempo, direito e dever dos entes federados. O licenciamento ambiental é uma das formas de exercer a competência comum.”
O conceito de licenciamento ambiental surgiu, apenas, com a edição da referida Resolução nº 237/97, nos seguintes termos:
Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.
A possibilidade da realização do licenciamento simplificado já estava prevista no art. 3º, § único da aludida norma, segundo o qual:
Art. 3º- A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.
Parágrafo Único. O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento.
Observa-se que essa regra já vem sendo aplicada por vários órgãos ambientais estaduais, considerando as diferentes tipologias de empreendimento ou atividade.
Como exemplo, podemos citar a recente Lei Estadual nº 20.694[11] publicada em 26 de dezembro de 2019, no Estado de Goiás, que prevê a possibilidade de emissão de licenças em procedimentos mais céleres, conforme determina o art. 25 copiado abaixo:
Art. 25. O licenciamento ambiental poderá ocorrer pelo procedimento trifásico, bifásico e fase única, conforme dispuser o regulamento.
Vale ainda ressaltar que a mesma lei goiana prevê ainda, assim como também o Decreto nº 46.890/2019 do Estado do Rio de Janeiro , a dispensa de licenciamento prévio de algumas atividades de menor impacto, exigindo apenas o seu registro eletrônico, conforme está descrito abaixo:
Art. 22. Fica instituído registro eletrônico de atividades e empreendimentos que, em razão de seu porte e seu potencial poluidor, possam ser classificados como de impacto ambiental mínimo, tais como:
I – corte de árvores isoladas por hectare em área urbana e rural consolidada, exceto se forem espécimes tombadas ou imunes ao corte, resguardadas as normas municipais estabelecidas para o regime de arborização urbana;
II – limpeza de áreas, assim consideradas as já antropizadas e que tenham permanecido sem utilização em, no máximo, 5 (cinco) anos;
III – pesquisa mineral sem Guia de Utilização envolvendo sondagem e trincheiras, dentre outros métodos, quando ocorrerem as seguintes situações:
Importante frisarmos ainda que os questionamentos relacionados à competência administrativa em matéria ambiental somente foram equacionados com a edição da Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011. Referida Lei teve como objetivo a promoção da gestão descentralizada democrática e eficiente de modo a fortalecer a cooperação entre os Entes Federativos e, assim, evitar a sobreposição de atuação. Um importante avanço trazido pela LC foi a definição do processo de licenciamento ambiental em um único nível [12].
Entretanto, a busca de consolidação dos normativos afetos ao licenciamento ambiental e mesmo da necessidade de atualizações/ajustes que se faziam necessários, remontam ao ano de 2004, o que culminou com o surgimento do Projeto de Lei – PL nº 3.729/2004, objeto de inúmeras versões ao longo dos últimos anos.
Esse assunto assume a sua relevância em 2019, na Câmara dos Deputados, como parte de uma agenda de desburocratização e estímulo à economia do país.
Desde então, foram realizadas dez audiências públicas com representantes da sociedade civil, empresas, ambientalistas, pesquisadores e Ministério Público. Neste período, o relator do Projeto, o Deputado Kim Kataguiri, apresentou novas versões ao texto-base ao incorporar consensos obtidos nas audiências.
Atualmente, o PL encontra-se pronto para votação em sua quarta versão, ainda esse ano, caso seja mantido o último texto publicado pelo relator.
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A LEI GERAL DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL – AS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELO PL Nº 3.729/2004
A proposta de Lei Geral do Licenciamento Ambiental aplica-se a todos os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, observadas as atribuições estabelecidas na Lei Complementar nº 140.
Inicialmente, cumpre-nos destacar que a Lei Geral do Licenciamento é procedimental, ou seja, ela não descreve as exigências técnicas que permitem ou não, a implantação de um empreendimento.
Estes requisitos continuam previstos em leis que tratam do direito material ambiental. Assim sendo, não nos restam dúvidas de que regras claras e um processo eficiente, são essenciais para proteger e tratar o meio ambiente.
A análise do PL demonstra que mais do que uma mera consolidação das diferentes normas relacionadas ao tema, a proposta inova ao incorporar alterações estruturais no licenciamento ambiental, com vistas, sobretudo, a permitir a agilidade no processo decisório em linha com a agenda de desenvolvimento econômico pretendida para o país.
Mas isso não é só! É importante ficar claro que o licenciamento ambiental deve ser visto como parte integrante do processo de planejamento e controle das atividades potencialmente causadoras de poluição e impactos ambientais significativos. Isto posto, ele visa integrar a proteção do meio ambiente no processo de desenvolvimento, a fim de alcançar sustentabilidade.
Cumpre lembrar ainda que o licenciamento ambiental está em consonância com os Princípios 4, 8 e 11 da Declaração da ONU Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) e Princípio 17 da Declaração da ONU Conferência sobre o Ambiente Humano (1972), o que por si só já demandaria um tratamento legal específico e regulatório dentro do nosso arcabouço jurídico.
Diante do exposto até aqui, pretendemos na sequência apresentar alguns pontos de destaque identificados no âmbito da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, ora em discussão na Casa Legislativa.
- Padronização do licenciamento em âmbito nacional e a observância à AAA – Avaliação Ambiental Estratégica
No seu art. 1º e §§ seguintes, o PL deixa claro de pronto que ficam estabelecidas as normas gerais para o licenciamento de atividade ou empreendimento utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidor, as quais deverão ser observadas por todos os órgãos e entidades da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).
No primeiro artigo fica ainda prevista a implementação e execução da AAA, que tem os seguintes objetivos e benefícios, segundo o Ministério de Meio Ambiente[13]:
- Fundamentos da AAE
2.1 Objetivos
A Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) é um instrumento de política ambiental que tem por objetivo auxiliar, antecipadamente, os tomadores de decisões no processo de identificação e avaliação dos impactos e efeitos, maximizando os positivos e minimizando os negativos, que uma dada decisão estratégica – a respeito da implementação de uma política, um plano ou um programa – poderia desencadear no meio ambiente e na sustentabilidade do uso dos recursos naturais, qualquer que seja a instância de planejamento.
Entre os benefícios que se podem esperar como resultado da aplicação da AAE, destacam-se os seguintes:
- visão abrangente das implicações ambientais da implementação das políticas, planos e programas governamentais, sejam eles pertinentes ao desenvolvimento setorial ou aplicados a uma região;
- segurança de que as questões ambientais serão devidamente tratadas;
- facilitação do encadeamento de ações ambientalmente estruturadas;
- processo de formulação de políticas e planejamento integrado e
ambientalmente sustentável;
- antecipação dos prováveis impactos das ações e projetos necessários à implementação as políticas e dos planos e programas que estão sendo avaliados; e
- melhor contexto para a avaliação de impactos ambientais cumulativos potencialmente gerados pelos referidos projetos.
O § 2º reconhece ainda a necessidade do respeito à alguns princípios já consagrados e que há muito tempo já norteiam os processos de licenciamento ambiental, quais sejam, da participação pública, da transparência e da preponderância do interesse público e complementa ainda com exigência de observância à outros princípios tão importantes, quanto os três primeiros citados, que são a celeridade e economia processual.
- Os empreendimentos não sujeitos à licenciamento ambiental
O texto do PL evidencia a redução do número de atividades que devem se submeter ao licenciamento. Neste sentido, está prevista a dispensa de licenciamento para algumas tipologias tais como (i) aquelas de caráter militar (art. 8º, I); (ii) serviços e obras direcionados à melhoria, modernização, e manutenção de infraestrutura de transportes em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluindo dragagens de manutenção (art. 8º, II); e (iii) aquelas que não se incluam na lista de atividades ou empreendimentos qualificados como utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação do meio ambiente, estabelecida pelos entes federativos (art. 8º, III).
Também é excluído, tacitamente, o licenciamento para atividades agrícolas, de pecuária e silvicultura, visto que a validação da inscrição no Cadastro Ambiental Rural – CAR passa a ser considerada como uma licença ambiental (art. 9º).
- A simplificação dos procedimentos e a priorização de algumas tipologias
Ficam assegurados procedimentos simplificados bem como prioridades de análise do processo de licenciamento para algumas tipologias de empreendimento.
Ponto que merece destaque é a figura da Licença por Adesão e Compromisso – LAC, trata-se de licença autodeclaratória que atesta a viabilidade e autoriza a instalação e a operação de atividade ou empreendimento mediante declaração de adesão e o compromisso do empreendedor no atendimento aos requisitos/obrigações/condicionantes previamente estabelecidos pela autoridade licenciadora (Art. 23).
Para os críticos à esta modalidade de licenciamento, é importante esclarecer que este tipo de licenciamento não abranda o licenciamento e muito menos dispensa a fiscalização. Esta modalidade de licenciamento é aplicada em atividades anteriormente conhecidas pelos órgãos ambientais e que, por isso, previamente serão estabelecidas as condicionantes ambientais específicas para atividades predefinidas.
Para a formalização desse processo deverá ser apresentado o Relatório de Caracterização do Empreendimento – RCE, contendo a caracterização e informações técnicas sobre a instalação e a operação do empreendimento. A manutenção ou revisão da LAC dependerá dos resultados das vistorias previstas na lei, a serem realizadas pelo órgão licenciador (Art. 23, § 4º).
Vale ressaltar que, que nestes casos, a autoridade licenciadora deve estabelecer previamente as condicionantes ambientais da LAC, que o empreendedor deverá cumprir.
Dispõe ainda o § 4º do art. 23 que a autoridade licenciadora não fica dispensada de realizar as vistorias, que poderão ocorrer por amostragem, podendo ainda ter periodicidade anual, visando aferir a regularidade das atividades.
Entendemos que a LAC não diminui à proteção ao meio ambiente, mas apenas traz uma racionalização de procedimento e ações, ficando garantida a defesa ambiental e a eficiência administrativa do Estado.
Nesse rol se inserem as atividades ou empreendimentos de saneamento básico e de serviços e obras associados à ampliação de capacidade e pavimentação dessa infraestrutura de transportes e eventuais outros a serem definidos em ato específico do ente federativo competente.
Nessa mesma linha de simplificação, a Licença Ambiental Única – LAU atesta a viabilidade e autoriza, em uma única etapa, a instalação e a operação de atividade ou empreendimento. Aprova as ações de controle e monitoramento ambiental e estabelece condicionantes ambientais incluindo, quando necessário, a sua desativação (Art. 22).
Para fundamentar este tipo de licenciamento, o empreendedor deverá apresentar o RCA/PCA e elementos técnicos da atividade ou empreendimento cujo escopo deverá ser definido pela autoridade licenciadora.
Também são simplificados os procedimentos para regularização de projetos ou atividades em operação, mas sem licenciamento. Assim, a Licença de Operação Corretiva ou LOC regulariza atividade ou empreendimento que opera sem licença ambiental, por meio da fixação de condicionantes que viabilizam sua continuidade e conformidade com as normas ambientais.
Como subsídio técnico de análise do órgão licenciador o empreendedor deverá apresentar RCA e PCA, não se aplicando, portanto, a apresentação de EIA/RIMA.
Alguns críticos não veem com bons olhos esta regulamentação da LOC. Entretanto, nosso entendimento é de que este rito uniformiza o procedimento já consolidado em muitos órgãos ambientais, evitando que os Estados e municípios continuem com procedimentos próprios e alguns casos divergentes.
Caso haja manifestação favorável ao licenciamento ambiental corretivo pela autoridade licenciadora, deverá ser firmado um Termo de Compromisso entre ela e o empreendedor anteriormente à emissão da LOC (Art. 24, § 1º), no qual deverão constar os critérios, os procedimentos e as responsabilidades do empreendedor (Art. 24, § 2º).
Caso fique evidenciado que o início da operação tenha ocorrido quando a legislação em vigor exigia licenciamento ambiental, a autoridade licenciadora deverá definir medidas compensatórias pelos impactos causados sem licença, caso existentes.
E não é demais relembrar que, mesmo com a regularização da atividade que não dispunha de licença, caso o empreendedor, uma vez firmado o Termo de Compromisso, venha descumprir as condicionantes do instrumento e/ou normas ambientais estará passível de sofrer sanções civis, administrativas e criminais.
Logo, criar regras uníssonas para o licenciamento corretivo em âmbito nacional, nada mais é que padronizar o tratamento desta questão em todos os estados da Federação, sem ao mais tempo criar um incentivo ao descumprimento das regras (que em alguns estados são extremamente brandas e complacentes), e no pior cenário, caso isso ocorra (empreendimentos operando sem licença ambiental), permanece garantida a obrigação de intervenção e fiscalização por parte do Ministério Público.
O licenciamento ambiental simplificado também está previsto por meio do procedimento bifásico, que consiste na aglutinação de duas licenças em uma única, podendo ser aplicado nos casos em que as características da atividade ou empreendimento sejam compatíveis com esse procedimento, conforme avaliação motivada da autoridade licenciadora (Art. 21).
Dentre tais empreendimentos está previsto o licenciamento bifásico para a atividade ou empreendimento que estiver em política, plano ou programa governamental que tenha sido objeto de Avaliação Ambiental Estratégica, previamente aprovada pelos órgãos central, seccionais ou locais do Sisnama, em suas respectivas esferas de competência (Art. 19).
Percebe-se, ainda, no PL uma preocupação na priorização da análise de algumas tipologias, sujeitas a licenciamento ambiental, a exemplo daquelas previstas no art. 15, relacionadas a empreendimentos que adotem novas tecnologias, programas voluntários de gestão ambiental ou outras medidas que comprovadamente permitam alcançar resultados mais rigorosos do que os padrões e critérios estabelecidos pela legislação ambiental.
Também se inserem nesse elenco de projetos prioritários aqueles definidos como (i) de interesse nacional por ato do Presidente da República, nos processos sob responsabilidade da autoridade licenciadora federal; (ii) de interesse estadual por ato do governador, nos processos sob responsabilidade da autoridade licenciadora estadual ou do Distrito Federal; ou (iii) de interesse municipal por ato do prefeito, nos processos sob responsabilidade da autoridade licenciadora municipal (Art. 53, § único).
- A redução do campo de aplicação dos estudos de impacto ambiental
Considerando a dispensa de licenciamento para algumas tipologias de empreendimentos ou mesmo da simplificação dos procedimentos aplicáveis, resta evidenciado o elenco de empreendimentos passíveis da não obrigatoriedade da apresentação do EIA. Soma-se, ainda, a dispensa parcial desses estudos na hipótese de estarem incluídos em política, plano ou programa governamental que tenha sido objeto de Avaliação Ambiental Estratégica (Art. 19, § 4º).
- A desconsideração dos impactos indiretos na definição da área de influência do empreendimento
Conforme estabelece a Resolução CONAMA nº 001/86, a Área de Influência compreende os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos de um empreendimento, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza.
Contudo, na proposta da Lei Geral a conceituação de área de influência difere substancialmente daquela apresentada anteriormente na referida Resolução, ou seja, reduz a sua abrangência espacial ao estabelecer que esta compreende a área que sofre os impactos ambientais diretos da construção, instalação, ampliação e operação de atividade ou empreendimento, conforme delimitação apontada no estudo ambiental.
Ao reduzir sua abrangência espacial à natureza dos impactos, ou seja, aquela relativa à presença de impactos ambientais diretos ou de 1ª ordem, desconsidera-se por decorrência o contorno da área de influência indireta, onde são observados impactos indiretos ou de 2ª ordem.
Assim, tal conceituação pressupõe a redução significativa das áreas objeto de avaliação ambiental no âmbito dos estudos ambientais e por decorrência da proposição de medidas mitigadoras/compensatórias, reduzindo significativamente a responsabilidade e obrigações do empreendedor, bem como os custos financeiros inerentes às estas atividades.
- Responsabilidade do órgão licenciador na emissão do Termo de Referência e prazos de emissão
Fica ratificada, no art. 26, a responsabilidade da autoridade licenciadora pela emissão do Termo de Referência – TR padrão para a elaboração dos estudos ambientais a serem apresentados pelo empreendedor no licenciamento ambiental para avaliação dos impactos ou riscos ambientais decorrentes da atividade ou empreendimento, ouvidas, quando couber, as autoridades envolvidas. Entretanto, o texto do PL inova quando estabelece a realização de consulta pública para discussão do conteúdo dos TRs padrão para o acolhimento de contribuições (Art. 25, § 2º).
Na hipótese de restar configurada a necessidade de ajustes no TR para um empreendimento específico, deverá ser ouvido o empreendedor que terá o prazo de 15 dias para se manifestar. Ficou estabelecido no § 4º o prazo máximo para disponibilização do TR ao empreendedor, qual seja 30 (trinta) dias.
Cumpre ainda destacar que o TR deverá guardar o nexo de causalidade entre o empreendimento pretendido, os atributos ambientais presentes na área e os potenciais impactos, objetivando, assim, assegurar a maior aderência, objetividade e qualidade dos estudos a serem elaborados.
- Redução dos prazos administrativos de análise
Foram estabelecidos novos prazos máximos de análise para emissão da licença, contados a partir da entrega do estudo ambiental pertinente e das demais informações ou documentos requeridos. Entretanto, caso o EIA ou outro estudo ambiental protocolado não apresente os itens listados no TR, o requerimento de licença ambiental não deverá ser admitido (Art. 43, § 2º). Corroborando a previsão da LC nº 140, O PL dispõe que o decurso dos prazos máximos previstos sem a emissão da licença ambiental não implica em emissão tácita, tampouco autoriza a prática de ato que dela dependa ou decorra, mas instaura a competência supletiva do licenciamento ambiental.
- Dispensa da Anuência das Prefeituras
Um dos pontos mais controversos do PL concerne à dispensa da exigência de apresentação da certidão de uso e ocupação do solo ou certidão de conformidade ou de viabilidade municipal no âmbito do processo de licenciamento, conforme exigência estabelecida na Resolução CONAMA nº 237/97.
Considerando que a maioria dos licenciamentos é realizada no âmbito estadual, pode-se alegar que tal dispositivo afastaria o Município do processo decisório envolvendo a implantação do empreendimento em seu território. Em verdade, é no Município que, em regra, os impactos ambientais são percebidos.
Por outro lado, a exigência da referida certidão tornou-se uma prática de negociação com viés político-econômico e não técnico, como devem ser os atos no âmbito do processo de licenciamento.
Importante ressaltar que a Lei de Liberdade Econômica[14] já tinha estabelecido a inexigibilidade de certidão não prevista em Lei.
- Isenção da Inscrição no CAR para empreendimentos de infraestrutura
O art. 9º, § 4º, dispõe que não será mais exigível a inscrição no CAR, como requisito para a licença de atividades ou empreendimentos de infraestrutura de transportes e energia que sejam instalados em propriedade ou posse rural. Cabe lembrar que o art. 12 do novo Código Florestal já previa a não exigência de RL para tais empreendimentos.
- Condicionantes e Compensação ambiental
Na tentativa de evitar que ocorra transferência de obrigações públicas aos
particulares – ou exigências desproporcionais -, o art. 13 dispõe que as condicionantes estabelecidas no licenciamento ambiental devem guardar relação direta com os impactos ambientais identificados nos estudos ambientais requeridos, configurando, portanto, a existência do nexo de causalidade, não podendo obrigar o empreendedor a manter ou operar serviços de responsabilidade do poder público (Art. 13, § 1º), fato este constatado regularmente em boa parte dos empreendimentos licenciados.
As mesmas premissas se aplicam às compensações ambientais estabelecidas na licença, inclusive já objeto de definição de mérito no âmbito da lei de Liberdade Econômica, que dispôs sobre a impossibilidade de exigência de compensações abusivas, descabidas ou desproporcionais em matéria de Direito Ambiental e de Direito Urbanístico.
Considerando que as condicionantes são os compromissos firmados junto ao órgão ambiental, visando à prevenção e controle (e eventuais compensações) dos impactos da atividade licenciada, as obrigações impostas ao empreendedor deverão ser proporcionais e diretamente relacionadas ao empreendimento.
Tal exigência quanto à necessidade de relação direta entre os impactos do empreendimento e suas respectivas condicionantes e compensações é um importante avanço visando à segurança jurídica dos empreendimentos. Alguns Estados já possuem legislação nesse sentido, como o Estado de Goiás por meio da já citada Lei n. 20.694/2019.
Mas é fundamental que a futura Lei Geral do Licenciamento também contenha tal exigência de modo a servir como referência e, assim, evitar normas conflitantes.
- Da Participação dos órgãos intervenientes
A minuta do PL, em seu art. 40, restringe a participação de autoridades envolvidas no processo de licenciamento apenas aos casos nos quais na ADA ou na área de influência, considerados os limites estabelecidos no Anexo I da lei, existir (i) terra indígena com portaria de declaração de limites publicada, (ii) área que tenha sido objeto de portaria de interdição em razão da localização de índios isolados e (iii) territórios quilombolas titulados. Ou seja, ficam desconsiderados os processos que estejam em estágios anteriores de regulamentação.
Ademais, excluiu-se a participação do Ministério da Saúde e restringiu a participação dos órgãos responsáveis pelas Unidades de Conservação somente aos casos em que a ADA ou a área de influência se sobrepuser a Unidade de Conservação do Grupo de Proteção Integral ou sua zona de amortecimento.
O texto da Lei Geral inova ao dispor, no artigo 42, § 3º, que a manifestação das autoridades envolvidas deve ser considerada pela autoridade licenciadora, mas não fica vinculada à decisão final quanto à concessão da licença ambiental, excluindo o poder decisório desses entes no processo de licenciamento. A manifestação do órgão interveniente seria obrigatória apenas nos casos das UCs de Proteção Integral indicados acima.
- Prazos das licenças e Prorrogação
Os prazos de validade das diferentes licenças são apresentados no art. 6º. Permanece a antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias da expiração de seu prazo de validade para o requerimento da renovação da licença ambiental ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva da autoridade licenciadora (Art. 7º).
Inova o § 4º do referido artigo ao dispor sobre a possibilidade de prorrogação automática da licença, sem a necessidade da análise do órgão ambiental, a partir de mera declaração do empreendedor em formulário disponibilizado na internet.
Como requisitos para este tipo de processamos temos: (i) as características e o porte da atividade não podem ter sido alterados; (ii) a legislação ambiental aplicável à atividade não sofreu alteração e; (iii) as condicionantes ambientais foram cumpridas pelo empreendedor.
Considerando as exigências do PL para a renovação automática, verifica-se que tal dispositivo teria o efeito de acelerar a renovação da licença, sem, porém, flexibilizar a proteção ambiental.
- Lista das tipologias de atividades ou empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental.
O PL, diferentemente das Resoluções CONAMA nº 1/86 e nº 237/97 – as quais já explicitam as listas de tipos de empreendimentos sujeitos, respectivamente a EIA/RIMA e licenciamento ambiental, não apresenta tal listagem, dando integral independência aos demais Entes Federativos, guardadas as suas competências (LC nº 140/2011), regularem tal matéria quanto à definição de critérios de classificação de empreendimentos, incluindo aqueles para fins de dispensa (Art. 4º ).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente análise do Projeto de Lei nº 3.729/2004 não pretende ser exaustiva. Trata-se, afinal, de versão não aprovada e sujeita a eventuais alterações.
Fica evidenciado que muitas das proposições apresentadas respondem às expectativas de um texto legal que venha a permitir a redução da burocracia e a agilidade no licenciamento ambiental, em bases de maior segurança jurídica.
É importante salientar que esta Lei Geral não alterará as hipóteses de supressão de vegetação nativa ou áreas de Reserva Legal, tampouco permitirá a ocupação de Áreas de Preservação Permanentes estabelecidas no Novo Código Florestal e/ou na Lei da Mata Atlântica.
Porém, algumas dúvidas já podem ser manifestadas com relação aos resultados a serem alcançados a partir da flexibilização da nova norma. As simplificações estabelecidas ou cada dispensa deferida pelas autoridades licenciadoras, em função dos novos procedimentos propostos, podem vir a ser questionadas judicialmente, sobretudo para empreendimentos, sabidamente, causadores de impactos significativos.
O PL também não revoga a competência comum do CONAMA para continuar emitindo suas resoluções, mantendo-se assim parcialmente vigente as Resoluções nº 01/1986 e nº 237/1997, que estabelecem normas, critérios e padrões relativos à definição de danos ambientais, ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais (competência exclusiva do CONAMA).
Como forma exemplificativa, destacam-se os procedimentos simplificados aplicáveis a serviços e obras associados à ampliação da capacidade e pavimentação da infraestrutura de transportes reduzidos à mera figura da Licença autodeclaratória, por Adesão e Compromisso – LAC.
À exceção da AAE, não é apresentada nenhuma alternativa de encaminhamento que permita proceder a uma análise territorial do espaço a ser interferido, ou mesmo que permita a unificação/a integração das várias licenças evidenciadas em inúmeros empreendimentos, e que denotam um fracionamento do licenciamento em pequenos projetos acarretando numa avaliação insuficiente dos impactos do empreendimento.
Ademais, alguns pontos da lei mereceriam, ainda, serem aperfeiçoados tendo em vista o caráter genérico e pouco elucidativo de algumas proposições bem como a definição de alguns conceitos apresentados, de forma tecnicamente equivocada, e que poderão vir a comprometer a qualidade dos estudos ambientais, sobretudo na avaliação adequada dos efeitos do empreendimento no seu território de inserção, a exemplo do conceito de Área de Influência.
Contudo, importa ressaltar que, apesar de todas as iniciativas na busca do aperfeiçoamento do processo de licenciamento ambiental, por meio de tais ajustes normativos, a efetividade esperada só será alcançada se superada a gestão arcaica e burocrática da condução desse processo, a instrumentalização dos órgãos ambientais e dos demais órgãos intervenientes da administração pública, em termos de recursos humanos e sua respectiva capacitação técnica, recursos tecnológicos e financeiros além da efetiva conscientização dos próprios empreendedores de suas responsabilidades nos estudos ambientais que dão suporte ao licenciamento.
A busca por tais mecanismos, que permitam o fortalecimento dos órgãos envolvidos, está expressa na norma quando estabelece como requisito, no seu art. 61, que num prazo de 90 dias da publicação da Lei, deverá ser apresentado por todas as autoridades licenciadores o relatório sobre as “condições de recursos humanos, financeiros e institucionais necessárias para o cumprimento desta Lei”.
Fica assim demonstrado, explicitamente, o contraditório entre o que se almeja alcançar com a aprovação da Lei Geral e, por outro lado, ainda, a ineficiência da capacidade institucional em promover sua implementação.
Isto posto, vislumbra-se que a única alternativa é a uniformização do licenciamento ambiental brasileiro. Enquanto isso não acontecer, permanecerá o sentimento de insegurança a todos os envolvidos e consequentemente a manutenção da restrição a investimentos, principalmente estrangeiros.
Para aqueles que ainda tem algum receio em relação à aprovação desta Lei Geral, lembramos que o Ministério Público, como vigoroso agente vistor da lei, continuará acompanhando e exigindo o cumprimento integral desta legislação de regência, diminuindo assim o seu escopo de observância (hoje sem dúvida infindável), visto que passaremos a ter uma lei vetorial.
Por fim, não nos resta dúvida de que o presente PL atende as premissas impostas pela nossa Constituição Federal, está mais do que maduro, considerando o longevo prazo de tramitação, tendo sido objeto de inúmeras audiências públicas e, se ainda contiver alguma inconsistência, poderá ainda assim ser objeto de questionamento, revisão e controle de constitucionalidade nas cortes judicias.
[1] Paulo Afonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, 16ª e., Malheiros Editores, 2008, p. 273
[2] https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/auditoria-operacional-sobre-licenciamento-ambiental-federal-laf.htm
[3] Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 9ª e., Ed. Saraiva, 2008, p. 91
[4] https://jornal.usp.br/artigos/para-que-serve-ou-deveria-servir-o-licenciamento-ambiental/
[5] Édis Milaré, Direito do Ambiente, 7ª e., Ed. Revista dos Tribunais, 2011, p. 511
[6]https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/opiniao/2020/06/06/internas_opiniao,861586/licenciamento-ambiental-e-seguranca-juridica.shtml
[7] Com a publicação da Lei Complementar n. 140, em 2011, passou a vigorar a seguinte redação para o artigo 10: A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.
[8] Para a maior parte da Doutrina, trata-se de lista meramente exemplificativa, ou seja, outras atividades não previstas na norma poderão ser sujeitas à elaboração do EIA para subsidiar o seu licenciamento.
[9] Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 9ª e., Ed. Saraiva, 2008, p. 95
[10] Paulo Afonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, 16ª e., Malheiros Editores, 2008, p. 273
[11] Lei Estadual nº 20.694/2019, dispõe sobre normas gerais para o Licenciamento Ambiental do Estado de Goiás e dá outras providências, https://legisla.casacivil.go.gov.br/pesquisa_legislacao/100893/lei-20694
[12] Art. 13. Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar
[13] BRASIL. Avaliação ambiental estratégica — Brasília; MMA/SQA, 2002, 92p. Disponível em <http://www.mma.gov.br/estruturas/sqa_pnla/_arquivos/aae.pdf> . Consulta em 05/07/2020.
[14]Art. 3º XII – não ser exigida pela administração pública direta ou indireta certidão sem previsão expressa em lei.
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