O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva produz todos os efeitos pessoais e patrimoniais que lhe são inerentes
Ana Bernal
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O Direito de Família sofreu profunda influência dos valores consagrados na Constituição Federal de 1988, a exemplo, o princípio da igualdade, dando aos cônjuges o exercício do poder familiar de forma conjunta para o melhor interesse da criança e, proíbe condutas discriminatórias em relação aos filhos advindos do laço conjugal, da afetividade e da adoção.
A partir da conscientização de que o novo modelo de família é baseado em mutua colaboração e no afeto, podemos chegar à tão almejada igualdade. No contexto atual, não mais se pode identificar como família apenas a relação entre homem e mulher ungidos pelos sagrados laços do matrimonio.
Não obstante o Código Civil de 1916, fazer distinção entre os filhos legítimos (aquele do casamento valido, ou putativo), e os ilegítimos (aqueles havidos fora do casamento, ou entre pais com algum impedimento) e adotivos, no Brasil, não mais se admite discriminações ou adjetivos para os filhos em decorrência de sua origem. Tal alteração foi trazida pela Constituição Federal de 1988, trazendo novas perspectivas às relações socioafetivas decorrentes da filiação.
Assim, com o advento da Carta Magna de 1988, passamos a ter proteção especial a outras entidades familiares garantindo-lhes iguais direitos que aquela formada por laços matrimoniais.
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Nesse viés surge a filiação socioafetiva, que se dá quando um terceiro assume o filho de outrem por espontânea vontade, como seu. Exemplo desta forma de filiação, o divorciado ou viúvo, que tem filho de outro casamento (ou relacionamento) anterior, ao contrair novo matrimonio, ou união estável com outra pessoa, surgindo a figura do padrasto, ou madrasta, e do enteado (a).
Destacamos que esta forma de filiação não está presente no ordenamento jurídico, entretanto, encontra respaldo no artigo 1.593 do Código Civil, ao afirmar que o parentesco é natural ou civil, resultando de consanguinidade ou outra origem. Ou seja, é quando os vínculos de afeto se sobrepõem aos vínculos biológicos.
Conforme é cediço, o termo “outra origem” permite ampla interpretação e pode ser utilizado para o fundamento a existência socioafetiva.
Norteada, esta filiação pelos princípios constitucionais da solidariedade, dignidade da pessoa humana e claro, no melhor interesse da criança e adolescente.
Vale dizer, com isso é reconhecida a paternidade ou maternidade socioafetiva passando a existir os direitos e deveres que os pais têm com seus filhos em razão do poder familiar, termo consagrado pelo Código Civil Brasileiro de 2002, que aboliu o termo “pátrio poder”.
Com isso a família passou a ser uma entidade plural, calcada na dignidade da pessoa humana, onde os cônjuges e/ou companheiros se mantêm unidos pelos vínculos da solidariedade e de afeto, sendo essa a verdadeira diretriz prelecionada pelo princípio da afetividade.
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Desta feita, reconhecida a paternidade, ou maternidade socioafetiva, surge a obrigação alimentar, a qual se funda no princípio da solidariedade, ou seja, nos laços de parentalidade que unem as pessoas constituintes de uma família, independentemente de ser por casamento, união estável, famílias monoparentais, homoafeivas, socioafetiva, entre outros.
No que tange a prestação alimentar (os alimentos têm objetivo a preservação da saúde, a alimentação, educação, habitação, as necessidades existenciais da pessoa), em virtude da relação de parentesco nos casos da filiação socioafetiva, o Supremo Tribunal de Justiça possui entendimento de uma análise de cada caso, para identificar os indícios de estado de filho, que fundamenta a relação socioafetiva entre pais e filhos.
É com esse entendimento, que os tribunais vêm deferindo os pedidos de pensão alimentícia quando presentes os requisitos da posse de estado de filho, necessários na paternidade socioafetiva; o interessado tratado como se filho fosse; utiliza nome da família socioafetivo e, quando no seio familiar em que vive é tido como filho daquela pessoa demandada.
Cumpre ressaltar que já houve decisão onde a obrigação de alimentos fora concedida em virtude do parentesco por afinidade.
No entanto, para Maria Berenice Dias: O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva produz todos os efeitos pessoais e patrimoniais que lhe são inerentes. O vínculo de filiação socioafetiva, que se legitima no interesse do filho, gera o parentesco socioafetivo para todos os fins de direito, nos limites da lei civil.
A nosso ver, se faz necessária uma regulamentação por norma infraconstitucional, uniformizando tais decisões judiciais para o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, bem como na questão da prestação de alimentos, a fim de uma maior segurança jurídica no tangente aos direitos e obrigações na filiação socioafetiva.
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