O número de pessoas afetadas pela poluição e maior que o de assassinatos na cidade de São Paulo
Por Renata Franco
Desde o início do ano as queimadas se espalharam pelos principais biomas brasileiros em uma escala crescente e alarmante. De um modo geral, o Monitor do Fogo do MapBiomas indica que o país queimou, até setembro, 150% a mais de área do que a média do ano anterior. Até o final o final de novembro, o Brasil queimou o dobro de áreas que 2023. Até o estado de São Paulo virou notícia por conta das queimadas e a consequência com a poluição provocada, e o reflexo na saúde da população.
Para termos uma melhor dimensão dessa interrelação, se compararmos os números das pessoas afetadas pela poluição e dos assassinatos na cidade de São Paulo, chegamos à estatística de que mais pessoas são mortas por dia, como consequência da poluição, se comparado aos assassinatos. De acordo com os dados da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, de agosto até a primeira semana de setembro, ocorreram 76 mortes em decorrência de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), além de 1.523 notificações. Por sua vez, o número de homicídios na capital foi de 1,3 por dia em 2023 (481 no ano).
A questão que se coloca diante desses números é a constatação de que as políticas públicas existentes estão sendo inadequadas e/ou insuficientes para o controle da poluição, proteção do meio ambiente e da qualidade de vida da população.
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é constitucionalmente garantido pela nossa Constituição de 1988, sendo um dever do Poder Público, juntamente com a coletividade, preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Mais do que isso, a CF/88 consagrou este direito como uma extensão ao direito à vida. No entanto, diante desses números, pode-se dizer que as ações adotadas de controle e fiscalização estão sendo insuficientes.
O aumento das queimadas, o tempo seco e a baixa humidade do ar agravam ainda mais a qualidade do ar já deteriorada pelas emissões atmosféricas.
Em que pese os focos de incêndios, uma questão que deve ser enfrentada é o controle da qualidade do ar nos centros urbanos, onde a frota veicular representa mais de 50% das emissões atmosféricas em regiões saturadas.
Assim, a frota veicular é responsável por muito mais do que apenas os recordes de congestionamento. E a proibição ou instituição de rodízio tem se mostrado insuficiente e inadequada para esse controle: é necessário investir em transporte público suficiente e de qualidade, prover segurança e fomentar meios alternativos de transporte. Faz-se necessário, portanto, a adoção de medidas de controle, gestão do espaço urbano, investimento, aumento das áreas verdes, criação de corredores ecológicos, dentre outras medidas eficazes e eficientes no controle da poluição atmosférica.
Além do número aumentado de mortes (maior até que o homicídio), de acordo com pesquisadores da Unicamp, esta poluição também é responsável pela (i) maior incidência de abortos e doenças cardíacas; (ii) aumento do número de óbitos por doenças respiratórias; (iii) acréscimo na ocorrência de inflamações (conjuntivites, rinites, faringites, traqueítes, bronquites, etc.); (iv) e até mesmo o agravamento da calvície. Além disso, de acordo com o The New England Journal of Medicine, as pessoas que moram em grandes cidades e com emissões maiores de gases poluentes têm em média 25% a mais de chances de desenvolverem doença cardiovascular. Aqueles que já sofrem com problemas cardiovasculares, ao aspirar o ar poluído elevam seu percentual de chances de morte em 76%.
Infelizmente, diante das alterações climáticas como consequência das ações humanas, o número de queimadas tem crescido, inclusive, pelo o acúmulo excessivo de matéria seca, o que propícia o risco de incêndio. E essa é uma realidade que devemos experimentar com maior frequência.
Tanto que a emergência citada no início desse artigo só foi alterada por conta do aumento da umidade e das chuvas nessas regiões. O último abalanço do MapBiomas mostrou melhora nas condições do meio ambiente, com a queda de 50% na média dos incêndios nos últimos 11 meses. Outubro foi o mês de virada, quando a maior parte das regiões teve registro de precipitações acima da média da época. São Paulo, por exemplo, viu cair 38% a mais de chuva.
A ciência climática não previa uma aceleração tão intensa dessas mudanças. No início de 2023 havia até previsão de um El Niño de grande intensidade, com temperaturas chegando a 1,3°C acima dos níveis pré-industriais. Mas não se esperava temperaturas globais acima dos 1,5° C. Desde junho de 2023 temos vivenciado esse aumento de temperatura, sendo o último mês de agosto o mais quente já registrado.
De acordo com Carlos Nobre, cientista brasileiro destacado principalmente na área dos estudos sobre o aquecimento global, a consequência desses meses de alta temperatura é o aumento dos eventos climáticos extremos. Além disso, esses eventos não cresceram devagar e de uma forma linear, mas sim exponencialmente. E é isso que está acontecendo no Brasil e no mundo inteiro com ondas de calor, seca, chuvas intensas e incêndios florestais.
Normas nacionais e internacionais de controle existem e, no meu singelo ponto de vista, são suficientes. O que é necessário é fazer com que essas normas sejam cumpridas. É essencial que a ação de descarbonização e cumprimento das metas de emissões atmosféricas, como as impostas no Acordo de Paris, sejam globalmente atendidas.
Além disso, internamente, temos a recente lei n º 14.850/2024, que institui a Política Nacional de Qualidade do Ar e que faz referências às normativas do CONAMA, responsável por indicar os padrões de qualidade do ar e os limites de emissão. Esses limites são impostos por resolução, até mesmo para que possam ser alterados com maior celeridade e de acordo com a necessidade do país.
O problema, muitas vezes, é que falta um monitoramento adequado e que o foco é voltado apenas à atividade industrial (fontes fixas) não considerando as fontes móveis (como frota de veículos), que representam mais de 50% das emissões atmosféricas nessas regiões saturadas. Por essa razão, não basta apenas a legislação com a imposição de penalidade para a indústria: é necessário um controle também da frota veicular urbana, com o controle das emissões pontuais, além de um fortalecimento no monitoramento e nas ações governamentais.
As ações de combate às mudanças climáticas, as queimadas e a poluição atmosférica, se fazem urgentes. A melhora na qualidade ambiental se trata não apenas de uma garantia constitucional, mas também de uma melhora na qualidade de vida e na saúde da população, com uma consequente longevidade. E, se formos um pouco mais extremista, se trata da própria sobrevivência humana.
